quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Obras de arte que tem me fascinado esses dias..




pertence à Henri de Toulouse Lautrec e se intitula "na cama".


pertence à Henri de Toulouse Lautrec e se intitula "na cama".



Retrato da Madame X de Sargent.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O que é o amor segundo a filosofia?














Martha Nussbaum

Universidade de Chicago

Entende-se habitualmente que o amor é uma poderosa emoção que implica uma intensa ligação a um objecto e uma grande valorização desse objecto. Em algumas acepções, contudo, o amor não implica, de todo, emoção, mas somente um interesse activo no bem-estar do objecto. Noutras situações o amor é essencialmente uma relação que implica permutação e reciprocidade, mais propriamente que uma emoção. Além disso, há muitas variedades de amor, incluindo o amor erótico-romântico, o amor da amizade e o amor filantrópico. Culturas diferentes também admitem diferentes tipos de amor. O amor tem, igualmente, uma arqueologia complicada: porque tem fortes conexões com experiências de afecto precoces, pode existir na personalidade a diferentes níveis de profundidade e nitidez, apresentando problemas específicos para o autoconhecimento. É um erro tentar fazer uma descrição excessivamente uniformizada de um tão complexo conjunto de fenómenos.

O amor tem sido entendido por muitos filósofos como fonte de grande riqueza e energia na vida humana. Mas mesmo aqueles que exaltam a sua contribuição têm-no visto como uma potencial ameaça à vida virtuosa. Por esta razão, os filósofos na tradição ocidental têm-se preocupado em apresentar descrições da reforma ou "elevação" do amor, com vista a demonstrar que há formas de conservar a energia e a beleza desta paixão, ao mesmo tempo que se eliminam as suas más consequências.

1. Amor: emoção, relação, acção

Entende-se frequentemente que o amor é uma emoção poderosa. Parece implicar quer uma intensa ligação a um objecto quer uma elevada valorização do objecto. Muitas vezes, embora nem sempre, o objecto é visto como algo de que alguém necessita na sua própria vida; por esta razão, o amor é muitas vezes relacionado com projectos de posse ou incorporação, e com emoções ciumentas para com o objecto visto como independente e capaz de frustrar as necessidades do amante. Espinosa (1677) sustentou que o amor implica ter consciência do objecto enquanto algo que suscita o próprio bem-estar de alguém. Visto que todos os objectos particulares são, também, em virtude da sua separação do eu, capazes de frustrar o bem-estar, todo o amor, concluiu Espinosa, é essencialmente ambivalente, misturado com raiva e mesmo ódio. Pode-se, contudo, defender que o amor é uma emoção ou emoções, enquanto se insiste que estas emoções podem ser isentas de ciúme e desejo possessivo. Assim, Platão, no Fedro, concebe o amor como uma poderosa reacção à beleza e ao mérito, que está estreitamente ligada, nas pessoas virtuosas, à veneração e ao temor; deste modo, respeita a separação do objecto e procura o seu bem. Estas considerações descrevem diferentes experiências, podendo ambas ser reais (como Platão, ao contrário de Espinosa, reconheceu).

O amor não é apenas uma emoção: pode também ser um tipo de relação. Aristóteles, na Ética a Nicómaco, insistiu que o amor (da amizade) implica sempre conhecimento mútuo e benevolência recíproca. Embora qualquer descrição do amor necessite de abrir caminho para amores que não são correspondidos, ou que são dirigidos para objectos que não podem retribuir (como bebés ou alguns animais) ou que não podem fazê-lo tão claramente (como Deus), a insistência de Aristóteles na interacção e na reciprocidade fornece um ingrediente importante para uma descrição normativa de muitos tipos de amor humano, quer da amizade quer romântico-erótico. Com efeito, a recusa em conceber o amor em termos relacionais é uma deficiência central em muitos casos de amor erótico, nos quais o objecto amado é, de facto, tratado como um objecto a ser possuído e imobilizado. Embora Proust pensasse que tais desígnios eram essenciais ao amor erótico, pode-se duvidar disto.

Alguns amores podem não envolver, de modo algum, uma emoção forte. Kant (1797) insistiu que o "amor patológico" (amor que envolve uma emoção passiva) era inferior ao "amor prático", uma ligação activa ao bem dos outros, incluindo emoções de respeito e preocupação. Quer concordemos quer não, devíamos reconhecer que este comprometimento prático activo é um tipo de amor: o amor filantrópico, por exemplo, pode ser melhor entendido desta forma. Os estóicos gregos acreditavam que mesmo o amor erótico podia ser repensado de uma forma que o tornasse compatível com aapatheia, impassibilidade, própria dos doutos. Seria um entusiasmo activo acerca do bem-estar do objecto, sem as correntes da passividade angustiante que habitualmente caracteriza a ligação erótica.

2. Tipos de amor

O inglês, como o latim, tem apenas um único vocábulo para uma extensa família de experiências diferentes. Outras línguas, como o grego antigo e o japonês moderno, tornam as diferenças inequívocas desde o início através do uso de vocábulos diferentes. Mas, mesmo em inglês e latim, podemos distinguir diferentes espécies de amor. O amor erótico-romântico está estreitamente ligado ao desejo sexual, enquanto o amor da amizade aparentemente não está. Considera-se frequentemente na era moderna que o amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais tem uma dimensão erótica; mas esta não era a perspectiva da maioria das culturas mais primitivas, nem é verosímil ser verdadeira em culturas onde os pais em boa situação financeira raramente viam os seus filhos. A cultura grega antiga considerou que o eros era sexual, preocupado com a posse e potencialmente destrutivo; a philia, que podia prevalecer quer entre amigos quer entre parentes, era vista como mútua e recíproca, preocupada com o bem-estar, e uma força cultural positiva. A agape cristã é distinta de ambos estes amores pelo seu carácter essencialmente altruísta; o seu paradigma é a dádiva que Cristo fez da sua vida para a redenção da humanidade pecadora.

Podemos também classificar os amores pelo seu tipo de objecto. Nós amamos outras pessoas, e é razoável esperar que estes amores envolverão alguma reciprocidade e mutualidade. Os amores das pessoas pelos animais podem ser muito intensos; variam muito no tipo de reciprocidade que oferecem. As pessoas também amam intensamente objectos inanimados, como obras de arte e beleza natural. Tais amores não podem ser recíprocos. O amor também pode ter como objecto uma abstracção moral, como a justiça social ou o bem da humanidade. No modelo estóico-kantiano este tipo de amor é especialmente bem explicado, como algo que envolve um comprometimento activo mais do que uma emoção.

O amor de Deus ou dos deuses tem sido entendido de muitas formas diferentes. Os estóicos pensavam que amar Deus era amar o propósito racional que dá vida ao universo; tal amor era melhor entendido como uma forma de pensamento activo, sem qualquer receptividade emocional. O amor intellectualis dei, de Espinosa, segue este paradigma. Santo Agostinho, criticando a apatheia estóica, insistiu que uma forma de amor fortemente emocional, misturado com temor, culpa e dor, é mais apropriado a uma vida cristã. Muitos pensadores cristãos seguem a sua influência. As concepções judaicas do amor de Deus tendem a dar ênfase à acção correcta, quer ritual quer ética. O moderno pensamento religioso continua estes debates.

3. Diferença cultural

A maioria das sociedades abrange tipos e concepções de amor muito diferentes. Mas as diferenças multiculturais também complicam a análise. As sociedades diferem a) no comportamento que consideram adequado numa relação de amor; assim, os amantes americanos modernos comportam-se publicamente de formas que teriam sido inconcebíveis na Índia do séc. XIX. A diferença também está presente b) nas regras que as sociedades ensinam a respeito dos objectos de amor adequados; assim, a Atenas do séc. V a. C. ensinava aos homens jovens que se esperava que eles tivessem fortes desejos eróticos quer por homens quer por mulheres; muitas culturas modernas não transmitem esta ideia. As sociedades também diferem c) nas suas avaliações normativas das diferentes espécies do amor em si - discordando, por exemplo, sobre se o amor erótico é nobre ou indecoroso, bom ou mau. Pode-se esperar que todas estas diferenças moldem não somente os conceitos mas também a própria experiência do amor.

De uma forma mais interessante, as sociedades também diferem d) na taxinomia exacta dos tipos de amor que a sua linguagem e forma de vida exibem e perpetuam. Por exemplo, o grego antigo eros é imaginado como um terrível poder que domina a personalidade e faz que ela se fixe num objecto com uma intensidade irresistível. O seu objectivo é supostamente a posse do objecto. O amor palaciano medieval, em contraste, põe a ênfase na pureza ideal e afastamento do seu objecto e associa o amor a uma terna e cortês atenção para com esse objecto. Aqueles que, hoje em dia, perderam as crenças e as formas de vida que fundamentaram o amor palaciano não podem ter experiência daquela paixão exactamente.

As diferenças na taxinomia são muitas vezes descobertas e depois modeladas pela terminologia. Assim, o facto de os gregos antigos distinguirem o eros da philia e os romanos usarem apenas o vocábulo amor provavelmente moldou o pensamento e a experiência pelo menos até determinado ponto, embora os romanos distinguissem claramente diferentes variedades de amor (analogamente no mundo moderno, o facto de o japonês ter várias palavras distintas para aquilo que o inglês chama "amor" provavelmente revela alguma diferença real na experiência, ainda que estas diferenças não devam ser sobrestimadas). No mundo moderno, o entendimento da diferença cultural é dificultado pelo contacto intercultural e pela tradução de textos formativos: assim, o facto de o japonês ai ser usado para traduzir o bíblicoagape exprime, sem dúvida, a evolução daquele conceito enquanto aplicado à experiência.

4. Amor e desenvolvimento humano

As pessoas começam a ter emoções fortes antes de poderem mover-se ou falar. A combinação da maturidade cognitiva com o desamparo físico de um bebé humano dá origem a uma complexa e ambivalente vida emocional, à medida que vê que muitos objectos de que necessita para conforto e sobrevivência são também distintos e insubmissos. A perspicaz conjectura de Espinosa acerca da relação entre amor e cólera tem, presentemente, recebido muitas vezes confirmação clínica e experimental. Uma tarefa do desenvolvimento humano é gerir e até mesmo superar esta ambivalência, a qual existirá em muitas formas diferentes em diferentes vidas, à medida que o amor é poderosamente moldado pela identidade individual dos objectos de afecto precoces.

As experiências precoces que moldam o padrão dos amores de uma pessoa são imperfeitamente recordadas, se o são de todo; mesmo traduzi-las para palavras é modificá-las. E, não obstante, parece provável que elas ensombram as experiências mais tardias de uma pessoa. Proust alvitrou de forma plausível que quando um adulto abraça um amante, ele ou ela estão, ao mesmo tempo, a abraçar a sombra de um objecto mais primitivo. Deste modo, Albertine é também a mãe cujo beijo de boa noite o rapazinho tão ansiosamente esperou. E, contudo, é difícil compreender estas facetas de si mesmo; e na medida em que se consegue fazê-lo, altera o passado tornando-o preciso e articulado. Portanto, é provável que o autoconhecimento das pessoas no amor seja muito imperfeito.

5. Amor e bem humano: a elevação do amor

O amor é geralmente reconhecido como uma fonte de beleza e apreço na vida. Por esta razão, nenhum filósofo propôs a sua completa remoção. Mas considera-se também que acarreta várias dificuldades para a pessoa que aspira a uma vida recta e virtuosa. Uma preocupação é que o amor implica parcialidade: concentrando-se intensamente no apreço de um único objecto, a pessoa perde de vista as afirmações legítimas de outros objectos e metas. A segunda preocupação é com a excessiva indigência: permitindo a um único objecto tornar-se central para a sua vida, os amantes colocam-se a si próprios à mercê de acontecimentos que não podem controlar, sacrificando, deste modo, a sua dignidade e poder. Finalmente, em parte por causa desta passividade, o amor está muitas vezes ligado à raiva e vingança, quer contra o objecto amado quer contra um rival, ou ambos. Uma sociedade que quer reduzir a raiva e a violência pode ter, portanto, razões para desencorajar o amor.

Os filósofos na tradição ocidental têm, por conseguinte, estado preocupados com o projecto de construir uma reforma ou "elevação" do amor que nos permitiria conservar o seu mistério e beleza embora depurando os seus excessos deformadores. Para Diotima, no Banquete de Platão, a elevação implica centralmente a ideia de um objecto abstracto. Desde que alguém perceba que o objecto real do seu amor não é um corpo nem mesmo uma pessoa completa, mas a beleza que está alojada naquele corpo ou pessoa, então esse alguém pode começar um processo de reforma, comparado à subida de uma escada, através do qual, afinal, chega a amar toda a beleza no universo e, mais do que isso, a contemplar a forma imortal da própria beleza em toda a sua harmonia. Desta forma, os amantes tornam-se invulneráveis às vicissitudes da vida: o objecto do seu amor nunca os trairá ou desapontará.

Os proponentes cristãos da "escada" do amor tendem a criticar o plano de Platão pelo seu objectivo de auto-suficiência pessoal. A modéstia genuína exige que se mantenha uma constante consciência da própria imperfeição e miséria. Os autores cristãos também se esforçam por manter o amor de indivíduos específicos como parte do amor purificado.

Espinosa regressou à proposta platónica para a reforma contemplativa do amor: concentrando-se na independência da mente de contingências externas, em última instância uma pessoa vem a amar a estrutura determinista do universo inteiro e a mente é libertada da passividade e ambivalência que caracterizam os afectos humanos.

Uma notável interpretação moderna da tradição platónica pode ser encontrada em À la Recherche du Temps Perdu (À Procura do Tempo Perdido) (1914-27), de Proust, que afirma que cada um dos amores de um escritor é como um degrau numa escada que o conduz a formas superiores, nas quais, sozinho, o seu intelecto encontra conforto e deleite. Usando o próprio passado de dor e vulnerabilidade como matéria-prima para um trabalho criativo, supera-se a vulnerabilidade e alcança-se uma espécie de independência do tempo e da morte.

Nenhum destes reformadores gosta muito dos seres humanos reais. Por essa razão, esta tradição dá origem a uma contratradição que tenta restituir aos seres humanos uma grande aceitação dos seus amores como eles são, vendo o próprio interesse na elevação como uma doença que necessita de cura. Muita desta tradição subsiste fora da filosofia. Um exemplo extraordinário é o Ulisses (1922), de Joyce, que divertidamente vira de pernas para o ar a escada de Diotima, sugerindo que é somente na emoção inconstante e imperfeita que o amor verdadeiro pode ser encontrado. Ao conectar o idealismo religioso ao anti-semitismo e o amor pelo corpo, de Bloom, a um amor filantrópico geral, Joyce sugere, também, que a tradição de elevação pode ser a causa dos ódios sociais, em vez de a sua cura.

Martha Nussbaum

Referências e leitura adicional

· Aristóteles (cerca de meados do século 4.º a.C.) Nicomachean Ethics, tradução com anotações de T. Irwin, Indianapolis, IN: Hackett Publishing Company, 1985, livros VIII, IX. (Sobre o amor da amizade.)

· Agostinho (397-401) Confessionum libri tredecim (Confessions), tradução de F.J. Sheed, Indianapolis, IN: Hackett Publishing Company, 1993. (Sustenta que o amor altamente emotivo é mais apropriado a uma vida cristã.)

· Agostinho (413-27) De civitate Dei (The City of God), tradução de P. Levine, Loeb Classical Library, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1966. (Debate os sentimentos adequados a uma vida cristã.)

· Bowlby, J. (1982) Attachment and Loss, Nova Iorque: Basic Books, 3 volumes, 2.ª edição. (Importante estudo psicológico do desenvolvimento do amor nas crianças.)

· Cavell, S. (1969) "The Avoidance of Love: a Reading of King Lear", em Must We Mean What We Say?, Cambridge: Cambridge University Press; re-imp. 1976. (Influente discussão dos motivos das pessoas para evitar o amor.)

· Dante (1313-21) Divina Commedia, tradução de. J. Ciardi, The Divine Comedy, Nova Iorque: E.P. Dutton, 3 volumes, 1989. (O mais influente relato cristão medieval do amor, combinando perspectives teóricas com aspectos extraídos da tradição do amor palaciano.)

· Espinosa, B. (1677) Ethica Ordine Geometrico Demonstrata (Ethics Demonstrated in a Geometrical Manner), tradução de E. Curley, Ethics, Harmondsworth: Penguin, 1996. (Analisa o carácter ambivalente do sentimento humano e propõe um processo pelo qual podemos ser libertados da escravidão, em favor do amor intelectual de Deus.)

· Hume, D. (1739/40) A Treatise of Human Nature, ed. L.A. Selby-Bigge, revista por P.H. Nidditch, Oxford: Clarendon Press, 2.ª edição, 1978. (Importantes discussões do amor e do ódio.)

· Joyce, J. (1922) Ulysses, Nova Iorque: Modern Library, 1961. (Sugere que o amor real se encontra apenas na emoção imperfeita da vida diária.)

· Kant, I. (1797) Metaphysische Anfangsgründe der Tugendlehre, tradução de. J.W. Ellington, Metaphysical Principles of Virtue, Indianapolis, IN: Hackett Publishing Company, 1964. (Discussão da relação entre o amor enquanto paixão e o amor como um comprometimento activo.)

· Klein, M. (1921-45) Love, Guilt, and Reparation and Other Works, 1921-45, Londres: Tavistock, 1985. (Importante tratamento psicanalítico do amor, ciúme e culpa.)

· Murdoch, I. (1993) Metaphysics as a Guide to Morals, Nova Iorque: Allen Lane, The Penguin Press. (A romancista filósofa debate a relação entre o amor e uma visão do bem.)

· Nussbaum, M. (1995) "Eros and the Wise: The Stoic Response to a Cultural Dilemma", Oxford Studies in Ancient Philosophy 13: 231-67. (Debate o projecto estóico de haver amor erótico sem carência e vulnerabilidade.)

· Platão (c. 386-380 a.C.) Symposium, tradução de A. Nehamas e P. Woodruff, Indianapolis, IN: Hackett Publishing Company, 1989. (Propõe a elevação do amor à contemplação da beleza ideal.)

· Platão (c. 366-360 a.C.) Phaedrus, tradução de A. Nehamas e P. Woodruff, Indianapolis, IN: Hackett Publishing Company, 1995. (Uma descrição da paixão erótica misturada com reverência e temor.)

· Price, A. (1989) Love and Friendship in Plato and Aristotle, Oxford: Clarendon Press. (Excelente tratamento dos textos, com achegas subtis sobre o tópico.)

· Proust, M. (1914-27) À la recherche du temps perdu, tradução de C.K. Scott Moncrieff e T. Kilmartin, Remembrance of Things Past, Nova Iorque: Random House, Vintage, 1981. (Grande romance filosófico que analisa a relação do amor com a carência, o ciúme e a criatividade artística.)

· Vlastos, G. (1973) "The Individual as Object of Love in Plato's Dialogues", em Platonic Studies, Princeton, NJ: Princeton University Press. (Importante análise e crítica das perspectivas antigas do amor.)

Tradução de Claudino Caridade

Publicado em Routledge Encyclopedia of Philosophy, org. Edward Craig (Londres: Routledge, 1998)

Cefa - Centro de Estudos em Filosofia Americana



disponível em: http://portal.filosofia.pro.br/o-que-e-amor.html


AS MITOLOGIAS AFRO E GREGA


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AS MITOLOGIAS AFRO E GREGA


A orientação objetiva da mente humana criou a necessidade do homem pesquisar para dar o desenvolvimento à inteligência, que é uma satisfação dessa necessidade.
Dentro da vocação de cada um, o homem busca o seu desenvolvimento inteligente para dar expansão naquilo que ele pensa, que deve fazer para o bem de uma certa coletividade.
Entretanto este nosso tema não é em todo um tratado sobre a mitologia ou as religiões, porém apenas cuidamos de estudar, pesquisar, dando à nossa interpretação, quer científica, quer religiosa ou filosófica, referente às lendas, cuja citação já apresentamos nos capítulos: Ponto de Fogo, Astronautas Pré-históricos. E aqui A Lenda da Mulher-Peixe.
Continuamente procuramos mostrar aos Irmãos umbandistas o conhecimento analógico através das lendas; tentamos também explicar o porque das lendas, pois, mesmo antes do aparecimento de qualquer escola racionalista, sempre o homem se preocupou em conhecer o mistério de sua origem, de certos fenômenos, e sobre tudo de seu fim, seu Destino.
Sobre as lendas, de onde vieram? Têm algum fundamento na verdade ou são apenas sonhos da imaginação? Pois dizemos que todas lendas têm seu fundamento de verdade.

Os filósofos têm aventado sobre o assunto em diversas teorias.

1a - Teoria Bíblica - De acordo com esta teoria, todas as lendas mitológicas têm sua origem nas narrativas das Escrituras, embora os fatos tenham sido distorcidos e alterados; porém a verdade é que cada povo ou geração tem a sua lenda.

Assim, Deucalião é apenas um outro nome de Noé, Hércules de Sansão, Áriom de Jonas, etc...
Sir Walter, em sua História do Mundo, diz: Jubal Tubal e Tubal Caim são Mercúrio, Vulcano e Apolo, inventores do Pastoreio, da Fundição e da Musica. O Dragão que guarda os pomos de ouro, era a serpente que enganou Eva. A torre de Nemrod foi a tentativa dos Gigantes contra o Céu. Há sem dúvida, muitas coincidências curiosas como estas, mas a teoria não pode ser exagerada até o ponto de explicar a maior parte das lendas, sem se cair no contra-senso.


a - Teoria Histórica - Por essa teoria, todas as personagens mencionadas na mitologia foram seres humanos reais e as lendas e tradições fabulosas à elas relativas são apenas acréscimos e embelezamento, surgido em épocas posteriores. Assim a história de Éolo, rei e deus dos ventos, teria surgido do fato de Éolo ser o governante de alguma ilha do Mar Tirreno, onde reinou com justiça e piedade e ensinou aos nativos o uso da navegação à vela e como predizer, pelos sinais atmosféricos, as mudanças do tempo e dos ventos.
Cadmo, que segundo a lenda, semeou a terra com dentes de dragão, dos quais nasceu uma safra de homens armados, foi na realidade um emigrante vindo da Fenícia, que levou à Grécia o conhecimento das letras do alfabeto, ensinando-o aos naturais daquele país.
Desses conhecimentos rudimentares nasceu a civilização que os poetas se mostraram sempre inclinados a apresentar como a decadência do estado primitivo do homem, a Idade do Ouro em que imperavam a inocência e a simplicidade.

3a - Teoria Alegórica - Segundo essa teoria, todos os mitos da antigüidade eram alegóricos e simbólicos, contendo alguma verdade moral, religiosa ou filosófica, ou algum fato histórico, sob a forma de alegoria, passaram a ser entendidos literalmente. Assim Saturno que devora os próprios filhos, é a mesma Divindade que os gregos chamavam de Cronus, (os cultos Afro têm um Orixá, chamado Tempo) que pode-se dizer, na verdade destroi tudo que ele próprio cria.
4a - Teoria Física - Para esta teoria, os elementos ar, fogo e água, originalmente objeto de adoração religiosa, sendo as principais Divindades personificadas nas forças da natureza. Foi fácil a transição da personificação dos elementos para a idéia de seres sobrenaturais, dirigindo e governando os diferentes objetos da natureza. Antigos povos, os gregos acreditavam que toda a natureza era povoada por seres invisíveis, e que todos os objetos, desde o Sol e o Mar até a menor fonte ou riacho, estavam entregues aos cuidados de alguma Divindade e atributos particulares.
Entretanto, todas as teorias acima mencionadas, são verdadeiras até certo ponto, no qual nos podemos igualá-las dentro dos princípios de nossa religião. Seria portanto, mais correto dizer-se que a Mitologia de uma geração ou nação vem de todas àquelas fontes combinadas e não de uma só em particular. Há muitos mitos originados pelo desejo do homem de explicar fenômenos naturais que ele não pode compreender e que não poucos surgirão de desejo semelhante de explicar a origem de nomes de lugares e pessoas.



IEMANJÁ (VÊNUS - AFRODITE)



Aqui apresentamos coletâneas das magníficas lendas do culto Afro e mitologia grega.
Demonstramos que Afrodite, Vênus, deusa das lendas gregas, é a mesma Iemanjá (Sereia) dos cultos Afros, na certeza de quem ler com atenção, julgará conosco essa exortativa comparação.
Iemanjá era conhecida pelos romanos como Vênus, enquanto que os gregos a conheciam como Afrodite.

Vejamos como nos é oferecido Vênus:
Vênus era muito cultuada na Grécia, onde lhe foram erigidos numerosos templos. Seus alimentos eram cisnes, pombos, pássaros e lebres, lhes eram consagrados e oferecidos em sacrifícios. Seus altares eram ornados com flores, especialmente rosas, e lhes eram oferecidos frutos perfeitos e sazonados, sendo-lhe especialmente consagradas a maçã e a romã. No antigo Império Romano, principalmente em Veneza, nos rituais dedicados à Afrodite, o seu povo lançava às águas um anel de ouro, rosas, etc...

Vejamos agora Iemanjá, como todos sabem é a divindade das águas verdes, salgadas, ela leva um leque e bracelete de metal prateado, ela dança interpretando o movimento das águas agitadas. É considerada por muitos a Mãe de todos os Orixás, pois vê crescer, ano a ano, o número de seus adeptos, no Brasil é considerada pelos Umbandistas, a Rainha do Mar, Protetora da família, cultuada aos sábados e fim de ano nas praias.
No entanto, dentro do sincretismo Católico-Umbandista, ela é N. S. da Glória, festejada à 15 de Agosto no Rio de Janeiro e N. S. da Conceição na Bahia.
Porém o sincretismo não passa de um fenômeno de fé, e não tem influência na filosofia dos Cultos Afro-brasileiros; no entanto o sincretismo de Oxalá com Jesus, este já explicamos dentro da Cabala, Jesus e Oxalá é a mesma divindade, isto é, a 2a pessoa da Trindade Divina do Culto do Omolocô.
Iemanjá tem seu fetiche, que é a concha marinha. Sua insígnia, um leque (abebê)
Os alimentos consagrados são pombo branco, milho, galo branco, ovelha branca, cabra branca, camarão azeite de dendê, leite de coco, como podemos ver, desde as mais antigas civilizações do mundo, Iemanjá já era cultuada nos mares onde tem o maior e melhor alimento da vida, que é o Sal.
As oferendas consagradas às Divindades, podem ser cruentas ou incruenta, segundo a necessidade de derramamento de sangue ou não; o seu nome é Efó(sacrifício) que se fazem às divindades.
Os antigos hebreus, também os novos, ainda praticam estes rituais secretamente dentro da cabala; dão nome de Nedaboh (vindo a palavra do verbo Nadah - agir espontaneamente).
Noé também deu oferendas quando saltou da barca, depois do dilúvio, oferecendo num altar ao Senhor, ao pé do Monte Ararat animais e aves puras em holocausto sobre este altar.
Gênesis 8, 20
No Novo Testamento, é bastante conhecida a oferta de ouro, mirra e incenso pelos Três Reis Magos ao Menino Jesus.
E agora perguntamos: Iemanjá - Vênus - Afrodite, devem ser consideradas como uma só divindade?
Para nós julgamos ser uma só, sob nomes diferente.



A LENDA GREGA DE VÊNUS



Sob o nome Romano de Vênus e o grego de Afrodite, esta deusa foi uma das divindades mais cultuadas na antigüidade.
Não nasceu do ventre de nenhuma mulher, deusa ou mortal; surgiu da espuma do mar, fecundada pelo sangue de Urano, o Céu, que foi sacrilicamente emasculado por seu filho Saturno.
Uma concha de madrepérola agasalhou essa espuma (e lembra que o Fetiche de Iemanjá é uma concha marinha de madrepérola) servindo-lhe de abrigo e foi conduzida pelo mar até próximo à ilha de Chipre, onde se abriu, fazendo surgir Vênus.
Zéfiro, um dos oito ventos, entregou Vênus às mãos das Musas, que se encarregaram de criá-la e educá-la.
Vênus foi esposa de Vulcano, o feio e desajeitado deus ferreiro que vivia trabalhando na forja com seus medonhos auxiliares, os Ciclopes (gigantes fabulosos com um só olho na testa); Vulcano foi enganado de mil formas por sua belíssima e sensual esposa.
A aventura amorosa que a deusa do amor teve com Marte, foi a mais ruidosa do Olimpo.
Nos encontros entre ambos, Marte deixava de guarda Alectrião, seu favorito, que era muito preguiçoso.
Certa vez, Febo, também considerado como Apolo, o Sol, e que também amava Vênus, seguiu os dois apaixonados até seu esconderijo secreto. Tendo Alectrião adormecido, Febo pode espia-los de perto e, vendo o que sucedia, foi chamar Vulcano.
O marido ultrajado, apanhando os amantes em flagrante, envolveu-os numa rede poderosa e invisível e chamou todos os deuses para que testemunhassem o adultério.
Desse amor com Marte, Vênus teve um filho, Cupido (identificado na mitologia Afro, como Orugã, Orixá do amor) ou Eros, o deus do amor.
Percebendo os males que Cupido poderia causar, Júpiter pediu à Vênus que se desfizesse dele, mas ela não lhe obedeceu. Como Cupido estivesse condenado a ser sempre criança, enquanto não tivesse outro irmão, Vênus teve outro filho de Marte, Anteros, ou antiamor, aquele que transforma o amor em ódio.
Além de Cupido, Vênus foi também mãe dos amores, dos jogos e dos risos.
De seu amor com Baco, nasceu a divindade chamada Hímen, ou Himeneu.
A maior paixão que sentiu foi por Adónis, um mortal que era mais belo do que qualquer dos deuses. Por ele, Vênus fugiu do Olimpo, separou-se de seus companheiros e desdenhou da companhia dos deuses. Enciumado, Marte transformou-se num javali, atacou Adónis e matou-o.
Vênus, depois de chorar longamente, transformou Adónis em anêmona, flor de grande beleza e vida efêmera.
Netuno foi seu último esposo (identificado na mitologia Afro, como Obá - Olorum, Rei dos mares). A primeira lenda nos conta que Nereu, deus marinho muito antigo, filho do Oceano e de Tétis, casou-se com sua irmã gêmea, Dóris, que lhe deu cinqüenta (50) belíssimas filhas que foram chamadas Nereidas.
Netuno, o deus das águas, apaixonou-se por uma delas, Anfitrite. Netuno tinha seu palácio no fundo do mar, tinha cavalos com crina de ouro que puxavam seu carro por sobre as ondas, e não ostentava um tridente. Anfitrite, temendo a severidade do deus e os mistérios existentes nos profundos abismos, fugiu amedrontada.
Refugiou-se nos rochedos próximos ao Monte Atlas, mas lá foi encontrada por dois golfinhos que a persuadiram a aceitar o amor de Netuno.
Anfitrite deixou-se convencer e os dois peixes a levaram para junto do deus marinho que, agradecido, pediu à Júpiter, seu irmão, que os imortalizasse. Netuno e Anfitrite formaram um casal muito feliz e de sua união nasceram não só inúmeras Ninfas marinhas, como também o mais famoso dos divinos seres da água, Tristão. A outra lenda que é também muito difundida, conta que dois golfinhos salvaram a vida de Vênus e de seu filho, Cupido, quando ambos eram perseguidos pelo gigante Tifon, durante a guerra que Júpiter desencadeou contra os monstruosos gigantes.



IEMANJÁ MORA EM ABÉOKUTÁ



No Brasil, como todos sabem, Iemanjá é uma divindade extremamente popular. Para suas oferendas no mar, seus adeptos levam contas transparentes como cristais e braceletes de metal prateado. É simbolizada por seixos marinhos e coquinhos; quando se manifesta ela traz um leque (abebê) na mão, e os Iaôs imitam o movimento das ondas descendo e levantando o corpo.
Ela é recebida com o grito (saudação) "Odaia" no Nagô e "Odó-Fiaba" no Omolocô, a mãe das águas. Iemanjá mora em Abéokutá, na Nigéria, no rio Ogun, e é considerada a divindade das águas do mar.
Segundo alguns historiadores é a mãe de todos os Orixás. Nada pode existir sem água.
Ela tem a mesma função que Iôiê Moiô e Olokum na linha Ifé mas ela não necessita de um Orixá macho complementário.
Ela estaria na posição de Nanã Buruku no Adelê.
Assim diz a lenda que nos tempos antigos, quando faltava água, era porque Iemanjá estava deitada e dormia sobre seu lado esquerdo. Quando voltava da esquerda para a direita, as fontes jorravam água.
Ela simboliza a maternidade; as estatuas a representam como uma mulher grávida, as mãos sobre o ventre, com seios volumosos aos quais fazem alusão nos cânticos "Nossa Mãe de mamas chorosas" aos seus seios dos quais em algumas lendas, dizem ainda jorrar água.


Bibliografia:
TECNOLOGIA OCULTISTA DA UMBANDA DO BRASIL.
Tancredo da Silva Pint



domingo, 23 de outubro de 2011

O machismo segundo a tese de Gikovate presente na obra Falando de Amor


          O machismo é o aspecto mais característico do comportamento masculino em nossa cultura. Ele corresponde a um exagero, na maioria do tempo ridículo, do papel do homem, especialmente quando se relacionando com as mulheres. Porém, aspectos típicos desta atitude aparecem também nas relações entre homens. Do ponto de vista exterior, há maneirismos que imitam o comportamento grosseiro dos marginais e delinqüentes – os modelos exagerados e quase caricaturais dos machões.  Essencialmente os maneirismos e outros procedimentos verbais são confundidos com virilidade, ou seja, são esforços para se mostrarem publicamente competentes para a prática da intimidade sexual.
            A coisa começa por volta dos 7 anos de idade. É o início do chamado período de latência, que se segue ao período edipiano. São complexos e intrincados os eventos, tensões e sofrimentos; ainda difíceis de determinar o grau e a intensidade das frustrações que correspondem, para o menino, a passagem por este período de luta competitiva com o pai pelo amor da mãe. O que parece indiscutível é que há uma certa estimulação por parte dos adultos para o estabelecimento desta situação exageradamente competitiva. A luta é, obviamente, perdida pelo menino. Não é o momento aqui para discutirmos, outra vez, detalhes do conjunto das emoções próprias do período edipiano.(*) O importante é reafirmar mais uma vez que, por frustrações anteriores, se compõe um período entre 7 e 12-13 anos de idade, onde a atitude visível e detectável dos meninos é de total desprezo e desinteresse pelas meninas.

(*) Tratamos destes aspectos mais pormenorizadamente em “Dificuldades do Amor”
MG Editores Associados – S. Paulo.

            As meninas têm seus jogos próprios, com um caráter bastante ameno e relativamente pouco agressivo, onde imitam as tradicionais atitudes e funções da mulher (brincam de casinha, cuidam de suas bonecas como se fossem suas filhas, etc.). Elas são proibidas de participar das atividades masculinas. Quase todas se constituem de jogos essencialmente de tipo competitivo e ricos em violência e agressividade direta – durante um jogo de futebol, por exemplo, a impressão que se tem é de que a atividade competitiva é só pretexto para se criarem situações de briga; há mais discussões, polêmica verbal, rapidamente se encaminhando para um desfecho de agressão física, do que jogo. Os meninos desta idade se constituem em turmas, onde têm que enfrentar, além das tensões internas, brigas e ataques contínuos das outras turmas, sempre constituídas por inimigos. É um clima geral de medo, especialmente para aqueles que se sintam, por qualquer razão, com menos capacidade para enfrentar as brigas e tensões que se exprimam como violência física direta.
            A maioria dos meninos consegue desempenhar razoavelmente este padrão de comportamento exigido, que não se pode mesmo dizer com prioridade de onde vêm, e nem mesmo se corresponde ao anseio da maioria. Da experiência clínica e pessoal, nunca ouvi ninguém contar deste período da vida com alegria e orgulho, apenas. Está sempre associado a situações de medo, de experiências homossexuais bastante constrangedoras, cuja lembrança funciona como um fantasma incômodo. Lembranças de brigas evitadas por causa do medo (de machucar o outro ou de apanhar), associadas a forte sensação de covardia e vergonha. Algumas lembranças de caráter heróico, associadas a façanhas individuais ou do grupo.
            Um bom número deles são mal sucedidos neste modo particular de viver estes anos em nosso meio. São terrivelmente ridicularizados pelos outros. São tratados como seres desprezíveis similares às meninas. Alguns deles se retraem do grupo, se trancam em casa, intimidados. Outros, continuam participando do grupo, no papel de “maricas”, objetos de todo o tipo de chacota e ridicularização, fortemente ameaçados com tentativas homossexuais ativas dos mais fortes sobre eles. Vale a pena concluir já – e a isto voltaremos depois – que se estabelece claramente uma correlação entre competência agressiva e competência sexual. Os mais violentos e capazes de expressar mais livremente sua agressividade serão os mais viris.
            Com a puberdade e início da adolescência (13-17 anos) volta o interesse pelas mulheres. O fato mais marcante desta retomada de importância e significado da menina é que o desprezo rapidamente se transforma em medo. E este é um fato curioso, pois as mulheres se transformam em ameaçadoras não só para a abordagem sexual, mas também para fins de namoro ingênuo. E provável que este medo tenha relação direta com uma sensação de incompetência como macho, que é o que acaba restando em quase todo o mundo como resultado do terrível período de latência. De todas as aproximações, a sexual é a mais temida (além de também desejada) ; é o “pôr-se à prova”, testar-se como homem. Ninguém está preparado para isto. E se fracassarem? É uma tragédia que tem que ser evitada a qualquer custo. E tem que ser evitada para si mesmo e também (num nível de importância comparável) para fins de reputação perante o grupo, cuja importância continua sendo muito grande, como aferidor das características e competências masculinas.
            Não há a menor condição para enfrentar uma intimidade sexual real. O medo é muito maior do que o enorme desejo. A masturbação é a solução. Resolve o desejo, apesar dos sentimentos de culpa de estar tendo um procedimento indigno e de eventuais efeitos maléficos para a saúde física e mental.
            Com o passar do tempo, com o imaginar em fantasias durante a masturbação todas as possibilidades e variáveis da situação sexual objetiva, o brutal medo vai se atenuando. Além do mais, existe uma óbvia e ostensiva pressão do meio – colegas mais velhos, irmãos e principalmente o próprio pai, ou indiretamente os pais – no sentido de que a iniciação sexual se dê o mais rápido possível. Não são raros os pais que se encarregam pessoalmente de introduzir seus filhos a alguma prostituta que eles reputam de confiança para executarem tal tarefa. Tal comportamento dos pais denota, é evidente, uma preocupação com a primeira experiência do seu filho (todos sabem, por introspecção, como um fracasso nesta condição poderia ter enormes repercussões sobre o futuro sexual e como homem, em geral do menino). Mas isto é, também, um importante indicativo das brutais pressões de desempenho sexual a que os meninos estão sujeitos. Há um grande orgulho para a família quando tudo vai bem; e quanto mais precoce for esta experiência, melhor. Isto parece ser indicativo de que se trata de um menino normal. Um dos fantasmas que mais preocupam os pais nesta fase é o de que seus filhos tenham alguma dificuldade nesta área, que teria como desgraça maior a homossexualidade. E sempre difícil saber quanto os pais estão preocupados com o bem estar psicológico dos seus filhos ou quanto estão mesmo é interessados em manter suas posições de educadores e, portanto, suas próprias reputações perante o seu grupo de referência adulto.
            Enfim, o fato é que, num determinado momento, em geral 1 a 3 anos após o início da prática sistemática da mas-turbação, o menino se arma de toda a coragem – muitas vezes ajudado até pelo álcool – e vai tentar preencher as expectativas que todos esperam dele, principalmente ele próprio. Não vai à procura de prazer, do encontro físico como fonte de alegria e enriquecimento. Vai cumprir uma missão. Vai tentar conseguir uma ereção. Uma penetração vaginal. Uma ejaculação em um tempo razoável, que não pode ser nem muito curto, nem muito longo (o início da contagem do tempo é o momento da penetração). Em síntese, vai tentar manter uma relação sexual. O mais comum é que o faça com uma prostituta. Prostituta ou não, será uma mulher qualquer, entendido isto não no sentido moral ou pejorativo, mas sim no sentido literal, isto é, uma mulher indiscriminada, uma pessoa que seja desconhecida para ele, com quem não teve nenhum contato anterior e com quem provavelmente não terá nenhum outro contato. Não é necessário levar em conta nenhuma afinidade intelectual, emocional e nem mesmo física!
            Todo o mundo sabe, e neste sentido foram muito úteis os estudos recentes e sua grande divulgação (infelizmente não tão grande em nosso país) sobre a sexualidade humana, da importância do primeiro encontro sexual para a vida emocional do rapaz. É óbvio que é importante também no caso das meninas, cuja rápida evolução trataremos noutra parte. Apesar disto, tudo continua se passando, para a maioria dos rapa-zes, mais ou menos como foi descrito aqui. O saber das coisas a respeito da vida sexual não determinou nenhuma mudança neste setor, e eu acho bom ressaltar isto. O destino da maioria dos rapazes depende, em boa parte, do que acontecer nesta primeira experiência sexual, que se dá em condições péssimas. Se ele for bem sucedido, ótimo. O fracasso, não raro, especialmente para aqueles mais emotivos e sensíveis, que podem ser mais influídos pelas condições gerais em que se dá a experiência, poderá trazer conseqüências catastróficas para a futura evolução global da personalidade, especialmente com repercussões na área afetiva, além da inibição na vida sexual, onde a coragem para tentar uma outra vez pode só aparecer anos depois.
            Além da enorme pressão do meio dos adultos, existe uma exigência maior ainda por parte do próprio grupo de adolescentes. Aí, os critérios da masculinidade são ainda mais estranhos e exigentes. São tão exigentes que são capazes de determinar uma enorme sensação de incompetência em quase todos os jovens! E isto me parece uma coisa muito importante e nada casual, apesar de que estes aspectos da psicologia são raramente abordados. Em resumo rápido, o ambiente dos adolescentes define a masculinidade nos seguintes termos: é tanto mais macho aquele que tenha um pênis maior (em comprimento e espessura), que for capaz de ejacular um maior número de vezes num menor espaço de tempo (um tempo certo deve existir à ejaculação), que for capaz de ter relações em nada discriminadas quanto às características da parceira, local e comodidades para a prática do ato sexual, e assim por diante. Os que conseguem sucesso nestas condições louvam suas conquistas e isto complica ainda mais os sentimentos dos que não são assim... quase todos. Há ainda outros critérios de segunda ordem de importância, mas também bastante influentes no sentido de ajudarem a compor sentimentos de incompetência: estatura, envergadura do tórax, número de pelos da barba e no corpo, etc.
            Parece-me muito fácil entender que os sentimentos de inferioridade se tornem quase que universais nesta área, pois os critérios a serem preenchidos são tantos e tão absurdos que não há jeito de não fracassar em um ou mais dos seus itens. Não é difícil de entender também que muitos rapazes tentem adiar ao máximo sua primeira “experiência” sexual, por não se sentirem com coragem de enfrentar tão delicada situação. Porém, isto compromete seriamente sua situação e sua reputação perante o grupo de referências (amigos, colegas de escola, parentes próximos da mesma idade). Com freqüência é objeto de incríveis ridicularizações, o que evidentemente agrava ainda mais o já complicado estado de coisas. Muitos tentam salvar as aparências e inventam histórias completas, onde louvam suas experiências inexistentes e suas glórias de macho. Os outros rapazes do grupo ouvem tudo isto com muita admiração – em geral acreditam – e estas mentiras acabam servindo para provocar ainda maiores inseguranças e sentimentos de inferioridade nos outros que estão ouvindo. Como dá facilmente para perceber, os sentimentos negativos vão se transmitindo de um para o outro, e o resultado é um crescente e progressivo comprometimento emocional de todo o mundo. É um absurdo que se repete regularmente em todas as gerações!
            Não é preciso frisar mais que a figura da mulher está completamente perdida como ser humano, com suas emoções, sentimentos e sensibilidades. A preocupação básica é exclusivamente ser bem sucedido na função masculina de ereção e ejaculação no tempo adequado. Há algum interesse pelas meninas recatadas, com as quais poderiam namorar e nunca manterem maiores intimidades sexuais. Porém, mesmo este interesse é superficial. Não há intimidade possível, porque rapazes e moças têm medo um do outro. É como se vivessem em dois mundos completamente diferentes. Para os homens há dois tipos diferentes de mulher: as de amar e namorar com recato, e as que servem para as funções sexuais. É assim que todos são educados. Por esta drástica e radical ruptura entre dois tipos diferentes de abordagem da mulher, muitos homens (em certa medida, todos) pagam mais tarde um terrível tributo, que é a incapacidade sexual em relação às mulheres por eles verdadeiramente respeitadas e valorizadas.
            Conclusão: apesar de ser quase uma figura teórica ou utópica, o macho ideal para os padrões da nossa cultura é um homem alto, de ombros largos, de pênis grande (até há muito tempo ninguém se interessou em saber o que as mulheres pensam disto!) capaz de manter várias relações sexuais seguidas com qualquer mulher, em qualquer situação ambiental, sem medos ou titubeios de espécie alguma, inclusive tudo isto absolutamente independente do seu estado emocional ou de qualquer outra variável subjetiva. Enfim, cria-se o modelo de uma besta. Um animal sem qualquer dose de sensibilidade ou emoção capaz de interferir no desempenho sexual. Sem qualquer preocupação ou respeito pela mulher, exclusiva-mente objeto de prazer, para ele (como vimos anteriormente, nem mesmo isto é absolutamente verdadeiro). Às vezes a preocupação em agradar a mulher aparece, mas ainda de modo secundário e não como manifestação de carinho ou interesse, mas para reforçar ainda mais suas virtudes de macho. Aliás, para ser preciso, é necessário dizer que há mesmo uma certa louvação da capacidade de desprezar as mulheres, e isto aparece de modo bastante claro no tipo de vocabulário usado a respeito pelos rapazes – e mesmo entre homens adultos – quando se referem às mulheres com quem mantiveram qualquer tipo de aproximação sexual.
            As coisas postas nestes termos podem parecer chocantes, ou mesmo uma abordagem que exagera os fatos: mas a verdade é esta. E até hoje as coisas não mudaram em nada. É isso que todo homem – pelo menos durante um bom período de sua vida – sonha em ser. É por comparação com este modelo absurdo, deformado, grosseiro que todos os homens se sentem inferiorizados, incompetentes. É isto que os torna amedrontados diante das mulheres (e talvez diante de várias situações da vida adulta).
            No fim das contas, os homens se sentem inferiores e pequenos exatamente porque têm sensibilidade, emoções, olfato, tato, etc... e portanto, não podem preencher o critério da indiscriminação, e o da capacidade sexual em qualquer estado ou clima emocional. Do mesmo modo, poucos homens se julgam portadores de um pênis de dimensões apropriadas. O estranho e quase inacreditável é que estes critérios da adolescência se perpetuam por longos anos da vida adulta e eu os tenho encontrado mesmo entre os homens mais esclarecidos e cultos.
            Os fracassos sexuais continuam sendo sentidos pelos homens como uma coisa bastante grave, motivo de brutais preocupações, e desencadeantes de freqüentes e fortes crises depressivas. É muito difícil convencer, mesmo as pessoas esclarecidas, de que, do mesmo modo que certas situações da vida subjetiva ou objetiva podem determinar alterações na capacidade de se alimentar ou de dormir, podem interferir também na função sexual. Nada mais lógico e esperado do que existirem fracassos sexuais em certas situações de maior ansiedade. Uma delas, por exemplo, é a do primeiro encontro sexual entre um homem e uma mulher que se valorizam e têm real interesse um pelo outro. O medo de desapontar ou de não ser bem sucedido pode, juntamente com um compreensível constrangimento bilateral, provocar um estado de ansiedade que determine a completa inibição da capacidade sexual do homem. Isto ocorre também com a mulher, mas, por razões óbvias, o problema do homem é manifestado primeiro, porque é mais observável, ainda mais que à mulher sobra sempre o recurso de fingir. Há várias outras situações em que a ansiedade ou o medo ou outros mal-estares, podem provocar inibição sexual no homem. Ou melhor têm que provocar inibição sexual no homem.
            Isto significa que não somos bestas, mas sim animais humanos, sensíveis, portadores de emoções; a sexualidade tem que fazer parte do conjunto das sensações humanas e não ser vivida como uma entidade isolada, estanque, funcionando sempre de modo igual, independentemente do que esteja ocorrendo com o resto do indivíduo. São dignos e humanos aqueles que têm uma sexualidade variável, de desempenho relacionado com a situação objetiva e subjetiva. Enfim, aqueles que levam em conta que a relação sexual envolve mais uma pessoa.
            Já é tempo de se tentar atenuar, pelo menos na cama, o caráter competitivo e de preocupação de desempenho, que todos nós – principalmente os homens – estamos submetidos o dia inteiro no mundo do trabalho. Já é tempo para que a relação sexual entre um homem e uma mulher possa ser vivida como uma importante fonte de prazer e realização para ambos e não como mais uma tarefa (nas pessoas casadas, a ultima do dia!) a ser realizada com eficiência e rigor. É triste constatar que, inversamente, o que está ocorrendo é que as preocupações de desempenho sexual e de eficiência não estão absolutamente diminuindo nos homens e que, isto sim, estão aumentando nas mulheres também.
            O que era importante descobrir e aperfeiçoar em termos de técnicas sexuais e conhecimento de sua fisiologia já foi feito no decurso da década passada, especialmente nos Estados Unidos. Foi um período que desvendou, pela primeira vez, e esclareceu muito sobre importantes dados, mantidos em total desconhecimento até então. E isto se deve ao fato de que nós sempre vivemos numa cultura que lida de uma maneira muito peculiar (mais do que simplesmente preconceituosa, a meu ver) com as coisas do sexo e do amor. Porém, estes novos conhecimentos não precisariam ser transformados em um aumento ainda maior da preocupação de desempenho e eficiência, como me parece que tem ocorrido. São informações úteis, porém que devem ser manuseadas com imaginação, liberdade e amor.
            São saudáveis, humanos, sensíveis e respeitosos os homens que têm fracassos sexuais esporádicos. E as mulheres sabem (ou intuem) disto, que os homens precisam aprender. A experiência do fracasso sexual, apesar do seu caráter brutal e terrivelmente angustiante, é uma sensação básica, porque é a quebra do machismo. É, portanto, o início de uma relação mais digna, mais nivelada, entre um homem e uma mulher. E isto é uma conquista absolutamente original, de significado enorme e totalmente imprevisível.
            Eu quero ainda discutir um pouco alguns aspectos do machismo, que ultrapassam os limites da psicologia normal e mesmo da psicologia. Inicialmente, as relações entre o desenvolvimento da sexualidade masculina e a violência. Já apontei nas páginas anteriores, na descrição do período de latência, como nos meninos a capacidade de agir de um modo agressivo direto (briga), fica sendo uma das manifestações de sua capacidade de macho. Inversamente, o não preenchimento do padrão agressivo-competitivo traz como conseqüência uma forte sensação de fraqueza, covardia e de incompetência como homem, que se estende imediatamente para a área sexual. Quanto mais agressivo e violento em geral for o padrão, maior número de meninos se sentirão muito precocemente incompetentes. E isto pode agravar muito intensamente os temores já inevitáveis das aproximações sexuais esperadas durante o período seguinte, ou seja durante os primeiros anos da adolescência. Acontece que os meninos mais sensíveis e emotivos têm muita dificuldade de lidar com a agressividade. E isto pode ser entendida de várias maneiras. Ou porque, devido à sensibilidade, sejam capazes de se colocar na situação do outro e avaliarem a dor que são capazes de impor ao outro. Ou porque tenham incorporado mais intensamente do que os outros, uma das normas contraditórias do período educacional anterior, qual seja o de que a agressividade é uma coisa feia e inaceitável, do mesmo modo que o sexo (contraditório porque a agressividade das crianças pequenas se tenta reprimir com a agressividade dos adultos sobre eles). Ou porque tenham saído mais machucados do que a média dos meninos do período edipiano anterior e por isso mais inibidos e tímidos. E assim por diante...
                O fato é que, tendo dificuldades com as condutas agressivas, são tachados de maricas, ridicularizados, marginalizados do grupo. São desprezados, como são desprezadas as meninas.
            Seus modos mais delicados (próprios de pessoas sensíveis em geral), seus interesses divergentes dos habituais jogos, tudo é sinal de diferença e indicativo de que algo de muito errado está se passando com o menino. Assim, se ele gostar de música e de leituras em vez de futebol, é um óbvio homossexual, mesmo que só tenha 10 anos de idade. Se interessar por balé, nem se fala. Se não participar das brigas próprias deste período da vida e preferir (ou precisar, por medo) ficar em casa, chamará a atenção dos pais na mesma direção; e estes o estimularão para enfrentar justamente as situações mais difíceis e traumáticas. Nada melhor, nestes casos, do que colocar – à força – o menino numa academia de Judô ou Karatê. E a incompetência obviamente se acentua e se torna mais marcante para o próprio menino, que através da preocupação dos pais, também tem mais um dado para perceber para si mesmo que ele é um ser humano diferente dos outros. Um homossexual.
            E é com este estado subjetivo que ele chega à adolescência. É evidente que não terá coragem de enfrentar um relacionamento sexual com uma mulher. É evidente que o seu relacionamento com os outros meninos será péssimo. Um misto de inveja e de ressentimento. Desenvolve-se uma verdadeira fobia sexual em relação às mulheres. A intensidade do medo é tão grande que provavelmente só imaginar uma situação sexual com uma mulher já provoca todas as reações físicas de pânico. O desejo heterossexual neste clima se extingue. Naturalmente o componente homossexual vai tomando conta do processo mental, indiscutivelmente associado – ao menos em parte – com uma atitude de raiva e hostilidade contra as figuras masculinas. O homossexual, em geral, tem raiva dos homens. Pelas mulheres, após o total desinteresse sexual determinado pelo medo-pânico da situação, indiferença e desatenção. Só se relacionam com certa intimidade entre si. Ainda assim com vários tipos de problemas, a maioria deles relacionados com a precária aceitação da própria homossexualidade, e, é evidente, da homossexualidade no outro.
            Não é minha intenção, por ora, fazer um estudo exaustivo e uma descrição completa e pormenorizada sobre a homossexualidade. Também não quero absolutamente dizer que todos os casos de homossexualidade se expliquem da forma acima. Ela é uma condição ainda absolutamente não bem entendida ou explicada. O que estou tentando é encontrar alguns dados de explicação mais ou menos genéricos que possam ajudar a entender um fenômeno muito bem conhecido, que é o aumento enorme da incidência da homossexualidade em certos momentos da história humana, como é este que estamos vivendo.
            Com o desenvolvimento e sofisticação de uma determinada sociedade, crescem os agrupamentos urbanos. Nas sociedades acidentais, como a nossa atual, cresce a competição entre os homens: as relações humanas se tornam inevitavelmente mais carregadas de violência. O que eu quero sugerir é que há uma correlação provável entre o aumento da violência interpessoal, especialmente na forma como ela se manifesta durante o período infantil de formação, e o aumento da freqüência da homossexualidade em uma determinada cultura. A homossexualidade seria, pelo menos em um grande número de casos, uma manifestação extrema da incapacidade do homem de preencher, nem nos seus requisitos mínimos, os padrões masculinos exigidos. E ela é, em parte, uma condição imposta de fora, pelo meio. Não há muita saída para um menino sensível, pouco agressivo, de modos delicados, com interesses muito diferentes dos habituais e próprios da sociedade em que ele vive. Um bom número deles associa isto a uma definitiva incompetência sexual como macho. Outros conseguem, no processo da adolescência, se salvar desta condição, muitas vezes favorecidos exclusivamente pelo acaso (encontro, por exemplo, de uma moça capaz de ajudá-lo a vencer as terríveis sensações do medo da situação heterossexual).
            Nos Estados Unidos, onde a freqüência da homossexualidade masculina atinge cifras altamente expressivas (provavelmente superiores a 10% da população; são apenas estimativas, porque um bom número de homossexuais, em virtude de posições profissionais que ocupam, muitas vezes vivem esta condição de uma maneira absolutamente clandestina), a Associação Psiquiátrica Americana passou a considerar, desde há alguns anos, esta condição como fora da categoria de patologia psiquiátrica. Em verdade, não havia outra solução. Ou se aceita a homossexualidade como sendo uma variação possível da normalidade humana, ou se tem que incriminar as sociedades acidentais, doentes, como as responsáveis por ela, que, pelos números e pelo seu caráter episódico e cíclico, é mais do domínio da ordem social e política do que da psicologia.
            É ao redor deste momento difícil, em que as fronteiras da psicologia esbarram com aspectos básicos da organização social humana, que eu ainda quero fazer mais algumas observações acerca do machismo. É evidente, pelo que foi dito antes, que a homossexualidade é conseqüência extrema do não preenchimento do modelo cultural do macho. Já disse também que praticamente ninguém preenche razoavelmente (segundo os critérios individuais e interiores) este modelo. Que a conseqüência disto é um sentimento de inferioridade universal – este está presente também em todas as mulheres, por razões diferentes – presente em proporções diversas em cada um de nós, também em conseqüência de outras variáveis, que definem as condições de sucesso ou fracasso na nossa cultura. O sentimento de inferioridade tem sobre a estrutura global da personalidade várias influências. Apesar de ter suas origens profundamente vinculadas à sexualidade e às relações desta com a agressividade, se estende para todas as áreas do processo psíquico. Influi decisivamente sobre a razão. O indivíduo passa a não confiar em nada que nasça de dentro de si mesmo. Quanto mais original forem seus conceitos e suas idéias, mais medo tem delas. Como pode acreditar em si mesmo se está tudo contaminado com uma profunda noção de incompetência, de fraqueza, de insuficiência? O jeito é se guiar pelos modelos externos, propostos pela cultura. Fazer como todo o mundo faz. Agir e pensar (até mesmo pensar) como parece que os outros fazem. O estilo de viver deverá ser o de todos. As ambições, as metas, as formas de alcançá-las, tudo.
            Por não se poder acreditar no modo próprio de encarar a vida é que não se pode fazer, na prática, as tentativas de inovar nada. Os sonhos são bobagens que têm que ser deixados de lado o mais breve possível. O período de revolta contra as óbvias aberrações da cultura deverá ter curta duração, e em breve chega a maturidade onde tudo se apazigua. A cultura tem uma atitude complacente e condescendente com os seus adolescentes rebeldes. É tudo efêmero. Existem e são bem conhecidos os mecanismos para atenuar estas rebeliões; elas correspondem, dizem, apenas a insatisfações psicológicas pessoais, especialmente na área afetiva. Logo os rapazes e moças se apaixonam pelos seus companheiros certos, constituem novas famílias, e tudo se normaliza. O trabalho e as necessidades materiais de sobrevivência tornam conta de toda a atenção do jovem casal e eles param de se preocupar com os assuntos sociais e só se interessam pela sua própria vida. E isto quer dizer que se atingiu, finalmente à maturidade.
            O fato curioso é que pelo final da adolescência, isto é, após a solução da problemática sexual básica, com sucesso na capacidade de manter relações sexuais normais apesar de todos os obstáculos e dificuldades (a verdade é que a maioria consegue se sair razoavelmente bem deste massacre), os jovens estão bastante mais confiantes em si mesmos e em geral isto corresponde a um período muito rico de interesses sociais mais amplos, quando a situação permite e cria condições para que isto ocorra. Rapidamente aparecem, para a maioria dos rapazes e moças, os característicos encontros sentimentais, que descrevemos depois, o que parece novamente reforçar todos os sistemas dos sentimentos de inferioridade, acovardando novamente a todos, criando uma tendência quase definitiva para a perfeita acomodação às regras da sociedade, tal como ela é. A rebelião da adolescência seria um pequeno hiato, onde os jovens, encorajados por seus sucessos em lidar com suas complicadas dificuldades na área da sexualidade, tentam expressar suas idéias mais livremente, tentam atuar para compor o que eles consideram ser um mundo mais justo. Mas, evidentemente, esta atitude tem que passar logo, e o enquadramento será feito através dos futuros envolvimentos amorosos.
            E assim vêm se sucedendo gerações intermináveis de pessoas insatisfeitas, acomodadas em suas infelizes condições, mas achando que é assim mesmo que tem que ser tudo. A religião, antes, os consolava. A psicologia, com suas explicações e com seus conceitos de maturidade, neurose, frustrações, traumas, etc., os tranqüiliza e lhes dá a certeza de que está tudo indo como pode e como tem que ser. 



O feminismo segundo a tese de Gikovate na obra Falando de Amor


                O nome foi usado para as recentes tentativas de emancipação e igualdade da mulher em relação ao homem, em sociedades evidentemente governadas pelos homens desde sempre. Para se entender alguns aspectos do comportamento feminino habitual e presente até hoje é muito importante levar em conta que a posição da mulher nas sociedades acidentais era, até há menos de 30 anos, de total inferioridade. Certos procedimentos tipicamente femininos como, por exemplo, as tentativas sutis de dominação dos homens através de táticas de sedução física, ou de uso de sua fragilidade para despertar sentimentos de pena e de culpa, são defesas necessárias para que a situação de dominação e submissão total não ficasse tão insuportável.
            Talvez uma das características biológicas que mais influi no desenvolvimento da espécie humana e suas sofisticadas estruturas sociais, seja a prolongada dependência física das crianças em relação aos adultos significativos, em particular, a mãe. Em todos os outros mamíferos, a cria se desenvolve o suficiente para poder se alimentar por conta própria em poucos meses. Ao período de lactação, se segue o da capacidade de se alimentar por si só. A cria se distancia definitivamente de sua mãe, que nem mesmo mais a reconhece entre os da espécie. A maioria dos mamíferos têm cria que praticamente nasce andando; enxerga perfeitamente em poucos dias. A criança senta-se aos 6 meses, anda com um ano. Torna-se fisicamente independente depois de 10 – 15 anos!
            Quando uma fêmea dos outros mamíferos tem filhos, os seus anteriores já estão totalmente crescidos e perdidos na multidão da espécie. É só cuidar e amamentar os filhos atuais por poucos meses e está livre de novo da cria. Como os filhotes nascem já bem diferenciados do ponto de vista neurológico (correspondente à espécie), os cuidados, além de tudo, são relativamente simples. Pelo menos, quando comparamos com os cuidados necessários para se manter uma criança em boas condições de saúde e higiene.
            Em condições de vida selvagem, uma mulher aos 25 anos de idade já teria tido vários filhos, cujas idades variariam de meses até 10 anos. Todos ainda, de certa forma dependentes dela. Talvez os maiores a pudessem ajudar um pouco. Mas essencialmente ainda precisariam de cuidados. Estaria amamentando um filho (ou mais) ; não é impossível que estivesse grávida de outro. É natural que sua condição física estivesse comprometida nesta condição. Já em condições normais, a fêmea da espécie humana é sensivelmente mais fraca fisicamente do que o macho. Grávida ou amamentando, mais ainda. Não tem condições para cuidar da cria e ainda buscar alimentos para si e para os mais velhos.
            Diferentemente das outras fêmeas dos mamíferos, a mulher precisava de um homem para ajudá-la na tarefa de cuidar e de alimentar a prole. A figura do pai, solidamente vinculada à cria, era uma necessidade essencial para sobrevivência. É evidente, desde logo, que isto tenha custado muito caro às mulheres. Que elas não tinham outro jeito senão se submeter às exigências masculinas. Que elas tenham aprendido compensar essa submissão, para se salvarem, pelo menos parcialmente, desta situação muito difícil e penosa.
            Qualquer tipo de organização social, mesmo as mais primitivas, deveria, portanto, se compor levando em conta a necessidade da existência da figura paterna. O casamento, união conjugal estável de um homem e uma mulher, era um requisito básico para a sobrevivência da espécie. Ou algum outro tipo de organização que impusesse aos homens a obrigação de trazer alimentos para as crianças e às mulheres a de cuidar delas, amamentá-las pelo tempo necessário, etc. É claro que era preciso garantias de paternidade. Era preciso que cada mulher se ligasse sexualmente a apenas um homem. Os homens não aceitariam alimentar filhos que eles não tivessem certeza que fossem seus. Era necessário que se compusesse um certo código onde as regras da união de homens e mulheres garantissem que a cada homem correspondesse uma mulher.
            Ou melhor, que a cada mulher correspondesse um homem.
            Nas organizações sociais mais bem sucedidas, provavelmente se encontraram os arranjos mais satisfatórios para resolver este problema. Outro dado básico que resulta disto tudo, é que a união homem-mulher não se deu inicialmente como conseqüência de um envolvimento amoroso, expressão pura de simpatias recíprocas, tanto no plano físico como intelectual. É claro que se tratavam de uniões por necessidade. Mais necessidade do que tudo. Não era conveniência; era sobrevivência. A união deveria durar a vida toda, pois era o tempo necessário para que todas as crianças (até há pouco tempo, muitas) crescessem e se tornassem independentes. Aí, os pais já estavam velhos; a situação de sustento deveria se inverter. Ou seja, os filhos é que deveriam ter as obrigações de sustento dos seus pais, já sem condições para o trabalho.
            A descrição das relações familiares que eu fiz até agora foram intencionalmente desordenadas no tempo. Estava falando ao mesmo tempo das tribos primitivas, ao mesmo tempo do que ainda ocorre em nosso país com a grande maioria de sua população mais pobre. Era válido para todo o mundo ocidental (praticamente) até há poucas décadas. A situação da relação homem-mulher só começou a se modificar há muito poucos anos, e ainda assim só nos países desenvolvidos ou para pequenas minorias nos outros. A maioria de nós perdeu a noção de que estas coisas sejam tão recentes (e mesmo atuais nas classes sociais mais baixas). Desde sempre, ouvimos falar no casamento como uma decorrência do amor entre um rapaz e uma moça que se escolheram livremente. Porém, isto não foi sempre assim. Os casamentos por interesses de família predominaram durante o século passado, e há alguns povos que procedem assim até hoje. Mesmo nas classes sociais mais esclarecidas do mundo ocidental de hoje existem restrições familiares à livre escolha dos futuros cônjuges. Se aceita o amor como fator determinante da escolha, mas não como único. Um rapaz branco não terá o apoio de sua família se quiser se casar com uma moça preta. Uma moça judia de hoje poderá se casar por amor; porém, o rapaz deve ser também judeu. E assim por diante. Há resíduos claros das formas anteriores de união, baseadas em complexas necessidades de sobrevivência, mescladas com mais intrincados ainda, esquemas de interesses das famílias.
            A situação de total dependência das mulheres, a seus filhos e seus maridos começou a mudar nas últimas décadas, em virtude das mudanças básicas que têm ocorrido nos meios de produção de riqueza e, portanto, das crescentes possibilidades de trabalho feminino. Este depende em boa parte de um crescente número de atividades onde a força física se torna dispensável. No mundo desenvolvido, a maioria das pessoas exerce atividades relacionadas com prestação de serviços em geral sem relação com a atividade muscular. Há portanto, igualdade de condições objetivas para o trabalho das mulheres. Outro dado fundamental que modificou muito a situação das mulheres foi o aprimoramento dos recursos anticoncepcionais. Agora, elas podem ter tantos filhos quantos quiserem, na época da vida que acharem conveniente. Podem mesmo optar por não terem filhos. E isto modifica tudo.
            Se tiverem uma atividade profissional razoavelmente bem remunerada as mulheres podem, hoje, ter filhos sem depender de um homem para o sustento dela e da criança. Neste sentido, pela primeira vez a fêmea humana se assemelha as fêmeas dos outros mamíferos; se tornou – é claro que ainda são poucas as mulheres que têm esta condição – independente do macho para os cuidados e alimentação de sua cria. E isto obviamente muda tudo. As características das relações homem-mulher podem se modificar, mas só agora. E é exatamente neste momento da história humana que aparecem os movimentos de emancipação da mulher. É uma tentativa, pelo menos inicialmente, de esclarecer homens e mulheres que as coisas como vinham se passando entre eles não tinham mais sentido. É claro, também, que o feminismo era um movimento de elites. As generalizações de seus conceitos é de absoluta ingenuidade. Aliás, falar em feminismo num país como o nosso é sempre temeridade. Uma das características também muito habituais no mundo atual é a chegada de certas informações vindas de algum lugar do mundo onde as coisas já sejam diferentes, para outros, de condições objetivas bastante diferentes. Os meios de informação são imediatos. As coisas se propagam muito rapidamente, mas, às vezes, chegam em certos lugares em momentos muito pouco oportunos. O feminismo, ou as tentativas de mudar as características das relações familiares, são do interesse apenas de uma minoria, porém, de uma minoria muito influente. E, apesar de tudo, influi também nas camadas mais baixas, pelo menos nos grandes centros urbanos. E isto ajuda a complicar ainda mais a situação: mulheres que são incapazes de uma atividade profissional independente exigem de seus maridos comporta-mentos compatíveis com a nova situação da mulher, que ela não tem, e assim por diante.
            Acho que vale a pena esclarecer este último aspecto agora. A rigor, a igualdade de condições das mulheres em relação aos homens só tem sentido e se justifica plenamente desde que haja igualdade de responsabilidades. É evidente que nem sempre as coisas têm ocorrido deste modo. Porém, a expectativa da igualdade de direitos é uma preocupação mais rápida e insistente na cabeça das mulheres do que o assumir suas posições e atividades no mundo do trabalho e da competição. Os homens, pressionados pela maciça insistência de suas mulheres e influídos pelas informações que chegam a todo instante através de todos os meios de comunicação, concordam em que elas tenham condições as melhores possíveis. O resultado é que a posição das mulheres de classe média entre nós é, ainda que aparente, melhor que a dos seus maridos. Estes trabalham o tempo todo. Elas são cercadas de enormes comodidades que as permitem evitar quase toda atividade doméstica e mesmo dos cuidados com os poucos filhos do casal. A conseqüência, que poucas mulheres percebem é uma enorme sensação final de inutilidade. E isto não é bom de se sentir. Há um vazio e uma insatisfação crescentes, que serão novamente abordados noutro lugar.
            Um número crescente de mulheres, no mundo inteiro, procuram encontrar uma situação mais apropriada. Procuram atividades profissionais que as tornem realmente em igualdade de condições com os homens. E, aí, elas se vêem obrigadas a participar do mundo competitivo há muitos séculos dominado pelos homens. Competem com os homens em atividades até há pouco tempo privilégio masculino, em uma época em que a oferta de trabalho nem sempre é muito grande. Competem com quem está mais habituado a competir. Enquanto os meninos passam seu período de latência em brigas e disputas contínuas, as meninas brincam de casinha e de outras atividades que imitam as funções femininas tradicionais. O mais comum é que elas não sejam tão bem sucedidas quanto os homens neste mundo, que tiveram que incorporar, sem terem tido a alternativa de modificar, pelo menos parcialmente, as regras do jogo. Al‘,ás, é bom dizer de novo que a grande maioria dos homens também são mal sucedidos no mundo competitivo. Quase todos exercem atividades absolutamente desinteressantes, de caráter mecânico e absolutamente alienadas. É claro, que as mulheres, ao imaginarem sua entrada no mundo do trabalho, não se identificam com este contingente majoritário de homens. Elas pretendem uma atividade altamente diferenciada, com boa remuneração, atuação criativa, e, se possível, capaz de trazer uma boa dose de prestígio. E, em geral, ficam muito frustradas quando percebem que a coisa não é bem assim, pois é raro para todo o mundo, homens e mulheres.
            O meio de trabalho como existe é hostil e frustrador. As mulheres sempre o idealizaram, porque não tinham acesso a ele, e porque através dele vislumbravam sua libertação da condição escrava. E isto é verdade: porém, se compõe uma nova escravidão. A escravidão dos homens. E, infelizmente, homens e mulheres ainda não conseguiram muita coisa na verdadeira emancipação de toda a espécie humana. A mulher estava escravizada ao homem. Este à mulher. E ambos...
            É desnecessário falar muito sobre a negação sistemática que foi feita da condição tradicional da mulher, e em particular dos habituais trabalhos domésticos. Só quero ressaltar mais uma vez que eles não são em nada piores do que a maioria dos trabalhos masculinos. Nas fábricas ou na lavoura, a coisa não é melhor. Também não vou me estender agora sobre o agravamento dos aspectos competitivos da relação amorosa entre homens e mulheres que estas coisas novas trouxeram. O fato é que as mulheres tinham uma expectativa do feminismo. Achavam que, finalmente, teriam uma boa condição de viver e de serem livres. Enganaram-se; ou melhor, frustraram-se. Passaram a padecer de maiores e mais complexas contradições, das quais ainda não há indícios de que estejam conseguindo se livrar. E isto repercute na relação amorosa de um modo ainda mais negativo do que as relações tradicionais. O resultado essencial de tudo isto é que o feminismo trouxe, ao menos por enquanto, piores dias para as mulheres; e evidente-mente também para os homens. Agravaram-se as insatisfações. Perderam a capacidade de serem mulheres e de realizarem com alguma alegria e com algum significado suas tradicionais funções; não conseguiram – salvo raras exceções – se realizar de um modo mais completo no mundo competitivo do trabalho, até há pouco “privilégio” exclusivamente masculino.
            Para se poder entender adequadamente os determinantes básicos da psicologia da mulher, como ela é formada em nossa cultura, temos que levar em conta essencialmente a dependência dela em relação ao homem, determinada por sua capa-cidade – biológica – de cuidar e alimentar seus filhos. É tudo orientado no sentido de se formar personalidades adaptadas a esta condição de dependência. No sentido das concessões à liberdade individual que devem ser feitas para que o homem a aceite. No sentido de se compor o sutil instrumental de dominação indireta do homem, a serviço tanto de aliviar a insegurança e o medo de ser abandonada por ele – tragédia maior – como para atenuar a humilhação da dominação e controle unilateral. Penso que este aspecto é fundamental para o entendimento das mulheres; mas acho também que foi muito pouco explorado. Muita coisa se explica e se esclarece se partirmos deste dado como sendo o primeiro. Vejamos...
            O desenvolvimento da sexualidade da menina é todo dirigido no sentido de se reprimir ao máximo qualquer manifestação nesta área. E isto acontece também com os meninos. Porém, durante a puberdade, as coisas assumem um caráter absolutamente divergente. A menina deve permanecer total-mente recatada : não deve mais ser absolutamente desinteressada, como até há pouco tempo. Mas, a virgindade ainda continua sendo uma coisa muito importante, que deve ser preservada a qualquer custo. Os rapazes, devido às suas inseguranças, continuam preferindo as meninas virgens. Estas dirigem suas energias fundamentais para o encontro de um rapaz com quem possam se casar e com quem estabelecerão uma condição de dependência grande, tanto no plano econômico como no emocional. E este ainda é o sonho maior de quase todas as moças.
            O problema da sexualidade na menina é, evidentemente, mais complexo. Um dado fundamental, também pouco citado, é o de que devem se manter o mais possível recatadas, e ao mesmo tempo assumir uma atitude de maior capacidade possível de sedução e de ser atraente para os homens! E isto é uma brutal contradição. A imagem mostrada deve ser da maior sensualidade possível, e o comportamento do maior recato. Não é difícil compreender que este procedimento muito típico complica terrivelmente a compreensão das mulheres por parte dos homens. Desorientando-os, confundindo-os, irritando-os e fascinando-os. E esta é uma das armas femininas fundamentais. Aparecer muito atraente e não se entregar é, de uma certa forma, ter um controle do homem. É tudo muito triste, porém ao mesmo tempo necessário, levando em conta a enorme desvantagem da condição feminina tradicional. O que infelizmente ocorre é que as coisas estão bastante diferentes hoje em dia, a situação de dominação masculina está até em certos aspectos invertida, e as mulheres, mais do que nunca continuam usando estes tipos de recurso. E isto complica tudo entre homens e mulheres; e não é sem razão que os relacionamentos amorosos estejam tão complicados.
            A premissa básica é sempre a mesma: manter um homem sempre perto, para garantir a sobrevivência. Fazer as concessões necessárias para que isto se perpetue. Essencialmente, manter o recato sexual, a virgindade, até o casamento. E também manter este estranho equilíbrio entre o recato e a manifestação da sensualidade. Deverá, portanto, quando adolescente, ser muito vaidosa, cuidar das formas do seu corpo, usar roupas o mais possível atraentes. Na hora da intimidade, ter apenas um interesse relativo; conseguir manter a intimidade em níveis aceitáveis (o menino deverá tentar o máximo a maior intimidade física possível; é o seu papel), para que possa ser uma pessoa confiável, ou seja, capaz de não deter-minar muitas inseguranças no seu futuro marido, que precisa de todas as garantias de fidelidade (antigamente garantias de paternidade).
            A terrível repressão da sexualidade, que se prolonga também de um modo ainda mais acentuado durante a puberdade, provoca enormes sentimentos de inferioridade e principalmente sentimentos de culpa. Estes, em virtude do fato de que a sexualidade é mais intensa do que o esperado pelo meio. Por exemplo, a masturbação durante a adolescência é sentida como muito mais criminosa pela menina do que pelo menino. As fantasias sexuais existem quase continuamente. Elas vêm misturadas com as fantasias amorosas, que apaziguam parcialmente os sentimentos de culpa. Não existe, como nos meninos, um conjunto de experiências sexuais durante a adolescência que possam atenuar os sentimentos de inferioridade, compostos da mesma forma que eles durante os anos da infância. E sentimentos de inferioridade e culpa geram uma enorme insegurança. E a insegurança determina sempre uma tendência a se seguirem os modelos ma!s convencionais de comportamento propostos por uma determinada cultura. E uma das características do modelo feminino no nosso meio é a fragilidade. A menina deve ser meiga, frágil, indefesa. Ela tem que ser protegida por um homem. E aí temos mais uma destas perigosas armas femininas. Através de sua incapacidade para realizar quase todas as atividades da vida adulta, ela mostra continuamente ao homem o quanto ele é imprescindível em sua vida, como sem ele ela não teria condições de sobrevivência. E o homem acredita nisto, sente-se mais responsável ainda. E gosta muito desta condição que atenua ainda suas inseguranças. E se deixa escravizar pela mulher, parcialmente pelo menos. Esta continua cada vez mais insegura e incapaz; ele cada vez mais comprometido e obrigado. Ela cada vez mais sem responsabilidades profissionais ou de sobrevivência; ele cada vez mais sobrecarregada.
            Outro aspecto muito comum nas mulheres é um desinteresse geral por quase todas as coisas. E isto me parece fortemente relacionado a todo o processo repressivo a que ela tem que se submeter para que possa aceitar com mais serenidade e como necessidade a relação de dominação do homem. Apesar de todos os truques femininos que atenuam a humilhação da condição, a dominação básica final é a do homem, na maioria dos casos. O interesse maior das mulheres é a sobrevivência. Suas preocupações maiores são as materiais. A segurança delas e dos filhos.
            O feminismo trouxe consigo a consciência da dominação masculina, no momento em que a relação dominador-dominado passou, pela primeira vez, a ser questionável. O modelo tradicional da relação familiar pôde ser questionado. Mas isto implica em profundas e radicais mudanças nos processos de educação de rapazes e moças. E estas modificações ainda não se deram, pelo menos para a maioria. A rebelião das mulheres se fez contra os homens. Como se estes fossem seus inimigos. Os homens estavam envolvidos no mesmo tipo de condição de vinculação compulsória e, portanto, igualmente escravizados. Não há inimigos. Criou-se uma situação nova, sem paralelo na história do ser humano: o controle do número de filhos e a escolha da época em que estes vão nascer, aliados a mudanças fundamentais no tipo de trabalho criou a possibilidade das relações homem-mulher se tornarem menos compulsórias, menos escravizastes para ambos. E parece que as pessoas ainda não entenderam as coisas nestes termos.
            As contradições se agravaram em vez de se atenuarem; os antigos artifícios femininos de dominação ainda não foram abandonados e as mulheres já obtiveram uma condição objetiva bastante diferente da de antigamente. A posição dos homens neste conjunto é ruim; as mulheres se aproveitam deste período de transição para continuarem com seus antigos privilégios e obterem os novos, até há pouco apenas masculinos.
            O período que vivemos é de transição. E crítico e difícil. As pessoas estão muito perdidas, pois ainda não sabem se orientar e se compor diante da nova realidade, que é essencialmente a perda do caráter compulsório da relação homem-mulher como sistema básico para a sobrevivência da espécie. A nova geração de mulheres, capaz de rever as posições femininas tradicionais ainda está sendo educada pelas mulheres atuais. Estas, estão em conflito entre suas novas ambições de sucesso no mundo competitivo do trabalho e suas inseguranças derivadas do próprio processo de educação à qual foram submetidas. Estão profundamente infelizes e desajustadas. Já não sentem tanto apenas o encantamento pela condição feminina. Não conseguiram a satisfação que imaginaram quando chegaram ao mundo masculino do trabalho. Algumas já perceberam que a saída não é a renúncia à condição de ser mulher, mas outras ainda não. O que elas podem mostrar às suas filhas'? O caótico estado de suas almas? Os seus sonhos não realizados? Não sei. O que eu sei é que a real evolução e a verdadeira mudança é mais lenta do que se pode perceber à primeira vista.