quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cartas de amor de Napoleão à sua primeira amada Josefina..


Viram essa mulher?acharam-na bonita?ela é a prova viva da capacidade de dominação feminina..não se trata de uma afirmação feminista mas sim de um comentário sutil que se baseia friamente em uma das carta de Napoleão à mesma, sua esposa Josefina...leia e verá! só não ria das fraquezas que o amor trás a um homem...






Verona, 13 de novembro de 1796

Já não te amo; ao contrário, detesto-te. És uma desgraçada, verdadeiramente perversa, verdadeiramente tola, uma verdadeira Cinderela. Nunca me escreves; não amas o teu marido; sabes quanto prazer tuas cartas dão a ele e ainda assim não podes sequer escrever-lhe meia dúzia de linhas, rabiscadas apressadamente. Que fazes então o dia todo, Madame?
Que negócio é assim tão importante que te rouba o tempo para escrever ao teu devotado amante? Que afeição abala e põe de lado o amor, o terno e constante amor que lhe prometeste? Quem será esse maravilhoso novo amante que te ocupa todos os momentos, tiraniza teus dias e te impede de dedicar qualquer atenção ao teu esposo? Cuidado, Josefina; alguma bela noite as portas se abrirão e eu seguirei.
Na verdade, meu amor, estou preocupado por não receber noticias tuas; escreve-me neste instante quatro páginas plenas daquelas palavras agradáveis que me enchem o coração de emoção e alegria. Espero poder em breve segurar-te em meus braços e cobrir-te com um milhão de beijos, candentes como o sol do equador.
                                                                        
                                                                                                                           Bonaparte


 Napoleão Bonaparte, in Cartas do Coração: Uma antologia do Amor, org. Elisabeth Orsini


Agora imaginem o homem que conquistou meio mundo escrevendo esta carta e perceberão a ironia do amor... 





Olhos de ressaca...uma velha paixão..


     Passei muitos anos tentando entender que maravilhas poderia achar na obra Dom Casmurro se esta fosse contada por Capitu em vez de ser contada pela voz de um velho triste e infeliz com os caminhos que sua vida tomou, ainda que certamente a obra não tivesse a mesma magnitude se contada de outros modos..Fato é que é inevitável se questionar sobre o que haveria do outro lado de um buraco negro..da mesma forma acho inevitável imaginar que formas tomaria a obra se a mesma fosse contada por uma outra voz.. quiçá feminina..Depois de anos de reflexão sobre a obra cheguei a conclusão de que mais valiam os capitulo e palavras contadas que os significados por ela expressos..Talvez Kant tivesse razão..talvez a arte não deva ter sentido, talvez só deva ser doce e útil..o que é insqueionavel é que "Olhos de ressaca" nunca me sairá da memória...



                                        OLHOS DE RESSACA


Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É o que contarei no outro Capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha.
--Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar um susto.
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
--Há alguma cousa?
--Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue para a lição. Como passou a noite?
--Eu bem. José Dias ainda não falou?
--Parece que não.
-- Mas então quando fala?
--Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita...
-- Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho.
--Teimo- hoje mesmo ele há de falar.
--Você jura?
--Juro. Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dane; mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitou, mas então com as mãos, e disse-lhe,--para dizer alguma cousa,--que era capaz de os pentear, se quisesse.
--Você?
--Eu mesmo.
--Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.
--Se embaraçar, você desembaraça depois.
--Vamos ver.


Baladas do amor através das idades

Esta manhã acordei com um velho poema drummondiano na mente..o porquê de tal poema estar na minha cabeça há de ser percebido pelos leitores mais sensíveis...

Balada do Amor através das IdadesEu te gosto, você me gosta 
desde tempos imemoriais. 
Eu era grego, você troiana, 
troiana mas não Helena. 
Saí do cavalo de pau 
para matar seu irmão. 
Matei, brigámos, morremos. 

Virei soldado romano, 
perseguidor de cristãos. 
Na porta da catacumba 
encontrei-te novamente. 
Mas quando vi você nua 
caída na areia do circo 
e o leão que vinha vindo, 
dei um pulo desesperado 
e o leão comeu nós dois. 

Depois fui pirata mouro, 
flagelo da Tripolitânia. 
Toquei fogo na fragata 
onde você se escondia 
da fúria de meu bergantim. 
Mas quando ia te pegar 
e te fazer minha escrava, 
você fez o sinal-da-cruz 
e rasgou o peito a punhal... 
Me suicidei também. 

Depois (tempos mais amenos) 
fui cortesão de Versailles, 
espirituoso e devasso. 
Você cismou de ser freira... 
Pulei muro de convento 
mas complicações políticas 
nos levaram à guilhotina. 

Hoje sou moço moderno, 
remo, pulo, danço, boxo, 
tenho dinheiro no banco. 
Você é uma loura notável, 
boxa, dança, pula, rema. 
Seu pai é que não faz gosto. 
Mas depois de mil peripécias, 
eu, herói da Paramount, 
te abraço, beijo e casamos. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

terça-feira, 28 de junho de 2011

O profeta de Kahlil Gibran

   Sabe aqueles dias frios e tediosos nos quais amanhecemos vazios?Aqueles dias que beiram a loucura existencialista?pois é, hoje é um dia destes pra mim.. mas não se preocupe, não venho aqui usar este para descarregar as tais"más"energias..vim devagar a respeito destas sensações que tanto nos atormentam..não saberia dizer se é pela sensibilidade feminina (que de Beauvoir não me escute dizer isso) não sei se pelas questões sociais que ocasionam essa sei lá o quê feminina que sempre me faz tendenciar as coisas pro lado sentimental mas sempre que me sinto assim penso no tal do Amor, não se indignem se o inicio com a letra maiúscula, se faço isso  é pelo respeito que tenho a tal palavra, afinal, há desafio maior o de definir tal palavra?Que Saussure com seus signos e significados não me entenda mal mas ôôhh palavrinha difícil de se definir ainda que internamente, não é? aí você deve estar pensando com seus botões..mas que diabos essa garota confusa quer dizer!? pois é! nas minhas ansiedades femininas de dias frios e confusos eu me pus a divagar sobre esta palavra e então decidi compartilhar a obra de uma autor a pouco me apresentado por um "amigo" ou seja lá o que ele é..o absurdo da postagem é que ela fala exatamente sobre o que é o amor enquanto fala sobre como ele deveria ser..irônico não é?quem já leu a critica literária de Wellek e Warren sabe que não há melhor forma de definir algo que não pelo regime dos opostos..bem deixemos de prosa que vou lhes apresentar a tal da definição de amor que na minha conceção está ainda mais depurada que as tão famosas de Camões e de São Paulo.


Al-Mustafa, o Eleito e o Bem-Amado, que era a aurora de seu próprio dia, esperava havia doze anos, na cidade de Orphalese, o regresso de seu navio, que o levaria de volta à ilha onde nascera.
      E no ano décimo segundo, ao sétimo dia de Ailul, o mês da colheita, galgou o monte fora da cidade e olhou para o mar; e deparou com seu navio chegando com a névoa.
      Então, as portas de seu coração abriram-se, e sua alegria voou longe sobre o mar. E, fechando os olhos, orou no silêncio de sua alma.
      Mas ao descer o monte, foi invadido pela tristeza, e pensou no seu coração:
      “Como poderei ir-me em paz e sem pena? Não, não será sem um ferimento na alma que deixarei esta cidade.
      Longos foram os dias de amargura que passei dentro de suas muralhas, e longas as noites de solidão; e quem pode despedir-se sem tristeza de sua amargura e de sua solidão?
      Muitos foram os pedaços de minha alma que espalhei nestas ruas, e muitos são os filhos de minha ansiedade que caminham, desnudos, entre estas colinas, e não posso abandoná-los sem me sentir oprimido e entristecido.
      Não é uma simples vestimenta que dispo hoje, mas a própria epiderme que arranco com as mãos.
      Nem é um simples pensamento que deixo atrás de mim, mas um coração enternecido pela fome e a sede.
      Contudo, não posso demorar-me por mais tempo.
      O mar, que chama a si todas as coisas, está me chamando, e devo embarcar.
     Pois permanecer aqui, enquanto as horas queimam-se na noite, seria congelar-me e cristalizar-se num molde.
      De bom grado levaria comigo tudo o que está aqui. Mas como fazê-lo?
     A voz não leva consigo a língua e os lábios que lhe deram asas.
É isolada que deve procurar o éter.
      É também só e sem ninho que a águia voará rumo ao Sol.”        E quando atingiu o pé da colina, virou-se novamente para o mar e viu seu navio aportar-se e, no convés, agruparem-se os marinheiros, os homens de sua terra natal.
      E sua alma gritou-lhes e lhes disse:
      “Filhos de minha velha mãe, que correis na crista das vagas impetuosas,
Quantas vezes navegastes nos meus sonhos. E agora chegais ao meu despertar, que é meu sonho mais profundo.
      Disposto me encontrais a partir, e minha impaciência, de velas desfraldadas, está a espera do vento.
      Tomarei apenas mais um hausto de ar neste ambiente sereno, volverei para trás somente mais um olhar afetuoso.
E, logo após, juntar-me-ei a vós, marujo entre marujos.
      E tu, vasto mar, mãe sempre acordada,
      Que, sozinho, és paz e liberdade para o rio e o regato,
      Uma só volta fará ainda esta corrente, um só murmúrio sussurrará ainda nesta clareira,
E depois virei a ti, gota ilimitada a um oceano ilimitado.”

      E enquanto caminhava, viu homens e mulheres abandonarem suas hortas e vinhedos e apressarem-se rumo às portas da cidade.
      E ouviu suas vozes chamarem seu nome, e anunciarem de campo a campo, um para o outro, a chegada do navio.
      E disse consigo mesmo:
      “Será, acaso, o dia da separação o dia do encontro?
E será dito que meu anoitecer era na verdade, minha aurora?
      E o que oferecerei àquele que deixou seu arado no meio do rego, e àquele que imobilizou a roda de seu lagar?
      Converter-se-á meu coração numa árvore de abundantes frutos que colherei e distribuirei?
      E correrão meus desejos como um manancial onde lhes encherei os copos?
      Sou, acaso, uma harpa para que me toque a mão do Onipotente, ou uma flauta para que Seu sopro me atravesse?
      Um ser em procura de silêncios, eis o que sou, e que tesouros tenho descoberto nos meus silêncios que possa distribuir com segurança?
      Se este é o dia da colheita, em que campos plantei a semente, e em que estações esquecidas?
      Se esta é, na verdade, a hora de levantar minha lanterna, a flama que nela brilhará não será minha. Vazia e apagada erguerei minha lâmpada.
      E o guardião da noite a abastecerá de azeite e a acenderá também. ”
      Essas coisas, ele expressou-as em palavras. Mas muitas coisa permaneceram inexpressas no seu coração. Pois nem mesmo ele podia externar seu segredo mais profundo.


      E quando entrou na cidade, o povo inteiro o recebeu, e todos estavam clamando seu nome em uma só voz.
      E os anciãos da cidade aproximaram-se e disseram:
      “Não nos deixes ainda. Foste um meio-dia em nosso crepúsculo, e tua juventude deu-nos sonhos para sonhar.
      Tu não és um estranho ou um hóspede entre nós, mas nosso filho e nosso bem-amado.
      Não condenes ainda nosso olhar a sentir a fome de tua face.”
      E os sacerdotes e as sacerdotisas disseram-lhe:
      “Não consintas ainda que as ondas do mar nos separem já, e os anos que entre nós passaste se tornem uma lembrança.
      Andaste entre nós como um espírito, e tua imagem tem sido uma luz que iluminou nossas faces.
      Muito te temos amado. Mas silencioso foi nosso amor, e com véus tem estado coberto.
      Porém, agora, ele grita e chama-te em alta voz e quer revelar-te a ti.
      Pois assim tem sido sempre com o amor. Ele só conhece sua própria profundidade na hora da separação.”       E outros vieram também e imploraram-lhe. Mas ele não lhes respondeu. Abaixou apenas a cabeça; e os que o rodeavam viram suas lágrimas caírem sobre o peito.
      E caminhando com o povo, chegou à grande praça em frente ao templo.
      E uma mulher chamada Almitra saiu do santuário. E ela era vidente.

      E ele a encarou com infinita ternura, pois fora ela a primeira a procurá-lo e a nele crer no dia de sua chegada à cidade.
      E ela o saudou, dizendo:
     “Profeta de Deus em procura do infinito, quantas vezes sondastes as distâncias à espera de teu navio.
      E agora teu navio chegou, e tu deves partir.
      Profunda é tua nostalgia pela pátria de tuas recordações e a morada de teus maiores desejos; e nosso amor não te quererá prender, nem nossas necessidades te reterão.
      Uma coisa, porém, pedimo-te: antes de nos deixares fala-nos e dá-nos algo de tua verdade.
      E nós a transmitiremos a nossos filhos, e eles a transmitirão a seus filhos, e ela não perecerá.
      Na tua soledade, vigiaste por nossos dias e, na tua vigília, escutaste os gemidos e risos de nosso sono.
      Agora revela-nos a nós próprios, e conta-nos o que te foi revelado do que existe entre o nascimento e a morte.”
      E ele respondeu:
      “ Povo de Orphalese, de que poderia falar-vos senão do que está agora se movendo dentro de vossas almas?”

      Então, Almitra disse: “Fala-nos do Amor.”
      E ele ergueu a fronte e olhou para a multidão; e um silêncio caiu sobre eles, e com uma voz forte dirigiu-se a eles, dizendo:
      “Quando o amor vos chamar, segui-o, embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
      E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
      Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
      E quando ele vos falar, acreditai nele,
      Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos como o vento devasta o jardim.
      Pois, da mesma forma por que o amor vos coroa, assim também ele vos crucifica. E da mesma forma por que ele contribui para vosso crescimento, ele trabalha para vossa poda.
      E da mesma forma por que ele sobe à vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
      Assim também ele desce até vossas raízes e as sacode no seu apego à terra.
      Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
      Ele vos debulha para expor a vossa nudez.
      Ele vos peneira para libertá-los das palhas.
      Ele vos mói até a extrema brancura.
      Ele vos amassa até que vos tornei maleáveis.
      Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no pão místico do banquete divino.
      Todas essas coisas , o amor operará em vós para que conheçais os segredos de vossos corações e, com esse conhecimento, vos convertais no pão místico do banquete divino.

     Todavia, se no vosso temor procurardes somente a paz e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis a vossa nudez e abandonásseis à eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações, onde rireis, mas não todos os vossos risos, e chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
      O amor nada dá senão de si próprio, e nada recebe senão de si próprio.
      O amor não possui e não se deixa possuir.
      Pois ele basta-se a si mesmo.
      Quando um de vós ama, que não diga: “Deus está no meu coração”, mas que diga antes: “ Eu estou no coração de Deus.”
      E não imagineis que possais dirigir o curso do amor, pois o amor, se vos achar dignos, determinará ele próprio o vosso curso.
      O amor não tem outro desejo, senão o de atingir a sua plenitude.
      Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos, sejam estes vossos desejos:
      “De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho que canta sua melodia para a noite;
      De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
      De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor;
      E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
      De acordardes na aurora com o coração alado e agradecerdes por um novo dia de amor;
      De descansardes ao meio-dia e meditardes sobre o êxtase do amor;
      De voltardes para casa à noite com gratidão;
      E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado, e nos lábios uma canção de bem–aventurança.”
Então, Almitra falou novamente e disse:
      “E o que nos dizes do Matrimônio, mestre? ”
      E ele respondeu, dizendo :
      “Vós nascestes juntos, e juntos permanecereis para todo o sempre.
      Juntos estareis quando as brancas asas da morte dissiparem vossos dias.
      Sim, juntos estareis até na memória silenciosa de Deus.
      Mas que haja espaço na vossa junção.
      E que as asas do céu dancem entre vós.
      Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão:
Que haja, antes, um mar ondulante entre as praias de vossas almas.
      Enchei a taça um do outro, mas não bebais da mesma taça.
Dai do vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço.
Cantai e dançais juntos, e sede alegres; mas deixai cada um de vós estar sozinho,
      Assim como as cordas da lira são isoladas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.
      Dai vossos corações, mas não os confieis à guarda um do outro.
      Pois somente a mão da Vida pode conter vossos corações.
      E vivei juntos, mas não vos aconchegueis em demasia;
Pois as colunas do templo erguem-se separadamente, e o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro.”





...Este é apenas o trecho inicial da obra de Kahlil Gibran chamada O profeta...recomendo-a na íntegra!!!

Metade de Oswaldo de Montenegro

Decidi iniciar a minha produção aqui postando a letra de uma música que acho belíssima...Não só pela sensibilidade, ainda que subjetiva,mas pela filosofia que ela emana...Nomeia-se Metade de autoria do cantor e compositor  chamado Oswaldo de Montenegro.
      

          Metade
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe


Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo


Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora


Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.


E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

                     Disponível em : http://letras.terra.com.br/oswaldo-montenegro/72954/