O
machismo é o aspecto mais característico do comportamento masculino em nossa
cultura. Ele corresponde a um exagero, na maioria do tempo ridículo, do papel
do homem, especialmente quando se relacionando com as mulheres. Porém, aspectos
típicos desta atitude aparecem também nas relações entre homens. Do ponto de
vista exterior, há maneirismos que imitam o comportamento grosseiro dos
marginais e delinqüentes – os modelos exagerados e quase caricaturais dos
machões. Essencialmente os maneirismos e
outros procedimentos verbais são confundidos com virilidade, ou seja, são
esforços para se mostrarem publicamente competentes para a prática da
intimidade sexual.
A coisa começa por volta dos 7 anos
de idade. É o início do chamado período de latência, que se segue ao período
edipiano. São complexos e intrincados os eventos, tensões e sofrimentos; ainda
difíceis de determinar o grau e a intensidade das frustrações que correspondem,
para o menino, a passagem por este período de luta competitiva com o pai pelo
amor da mãe. O que parece indiscutível é que há uma certa estimulação por parte
dos adultos para o estabelecimento desta situação exageradamente competitiva. A
luta é, obviamente, perdida pelo menino. Não é o momento aqui para discutirmos,
outra vez, detalhes do conjunto das emoções próprias do período edipiano.(*) O
importante é reafirmar mais uma vez que, por frustrações anteriores, se compõe
um período entre 7 e 12-13 anos de idade, onde a atitude visível e detectável
dos meninos é de total desprezo e desinteresse pelas meninas.
(*) Tratamos destes aspectos mais pormenorizadamente em “Dificuldades do Amor”
MG Editores Associados
– S. Paulo.
As meninas têm seus jogos próprios, com um caráter bastante ameno e relativamente pouco agressivo, onde imitam as tradicionais atitudes e funções da mulher (brincam de casinha, cuidam de suas bonecas como se fossem suas filhas, etc.). Elas são proibidas de participar das atividades masculinas. Quase todas se constituem de jogos essencialmente de tipo competitivo e ricos em violência e agressividade direta – durante um jogo de futebol, por exemplo, a impressão que se tem é de que a atividade competitiva é só pretexto para se criarem situações de briga; há mais discussões, polêmica verbal, rapidamente se encaminhando para um desfecho de agressão física, do que jogo. Os meninos desta idade se constituem em turmas, onde têm que enfrentar, além das tensões internas, brigas e ataques contínuos das outras turmas, sempre constituídas por inimigos. É um clima geral de medo, especialmente para aqueles que se sintam, por qualquer razão, com menos capacidade para enfrentar as brigas e tensões que se exprimam como violência física direta.
A maioria dos meninos consegue desempenhar
razoavelmente este padrão de comportamento exigido, que não se pode mesmo dizer
com prioridade de onde vêm, e nem mesmo se corresponde ao anseio da maioria. Da
experiência clínica e pessoal, nunca ouvi ninguém contar deste período da vida
com alegria e orgulho, apenas. Está sempre associado a situações de medo, de
experiências homossexuais bastante constrangedoras, cuja lembrança funciona
como um fantasma incômodo. Lembranças de brigas evitadas por causa do medo (de
machucar o outro ou de apanhar), associadas a forte sensação de covardia e
vergonha. Algumas lembranças de caráter heróico, associadas a façanhas
individuais ou do grupo.
Um bom número deles são mal
sucedidos neste modo particular de viver estes anos em nosso meio. São
terrivelmente ridicularizados pelos outros. São tratados como seres
desprezíveis similares às meninas. Alguns deles se retraem do grupo, se trancam
em casa, intimidados. Outros, continuam participando do grupo, no papel de “maricas”,
objetos de todo o tipo de chacota e ridicularização, fortemente ameaçados com
tentativas homossexuais ativas dos mais fortes sobre eles. Vale a pena concluir
já – e a isto voltaremos depois – que se estabelece claramente uma correlação
entre competência agressiva e competência sexual. Os mais violentos e capazes
de expressar mais livremente sua agressividade serão os mais viris.
Com a puberdade e início da
adolescência (13-17 anos) volta o interesse pelas mulheres. O fato mais
marcante desta retomada de importância e significado da menina é que o desprezo
rapidamente se transforma em
medo. E este é um fato curioso, pois as mulheres se
transformam em ameaçadoras não só para a abordagem sexual, mas também para fins
de namoro ingênuo. E provável que este medo tenha relação direta com uma
sensação de incompetência como macho, que é o que acaba restando em quase todo
o mundo como resultado do terrível período de latência. De todas as
aproximações, a sexual é a mais temida (além de também desejada) ; é o “pôr-se
à prova”, testar-se como homem. Ninguém está preparado para isto. E se
fracassarem? É uma tragédia que tem que ser evitada a qualquer custo. E tem que
ser evitada para si mesmo e também (num nível de importância comparável) para
fins de reputação perante o grupo, cuja importância continua sendo muito
grande, como aferidor das características e competências masculinas.
Não há a menor condição para
enfrentar uma intimidade sexual real. O medo é muito maior do que o enorme
desejo. A masturbação é a solução. Resolve o desejo, apesar dos sentimentos de
culpa de estar tendo um procedimento indigno e de eventuais efeitos maléficos
para a saúde física e mental.
Com o passar do tempo, com o
imaginar em fantasias durante a masturbação todas as possibilidades e variáveis
da situação sexual objetiva, o brutal medo vai se atenuando. Além do mais,
existe uma óbvia e ostensiva pressão do meio – colegas mais velhos, irmãos e
principalmente o próprio pai, ou indiretamente os pais – no sentido de que a
iniciação sexual se dê o mais rápido possível. Não são raros os pais que se
encarregam pessoalmente de introduzir seus filhos a alguma prostituta que eles
reputam de confiança para executarem tal tarefa. Tal comportamento dos pais
denota, é evidente, uma preocupação com a primeira experiência do seu filho
(todos sabem, por introspecção, como um fracasso nesta condição poderia ter
enormes repercussões sobre o futuro sexual e como homem, em geral do menino).
Mas isto é, também, um importante indicativo das brutais pressões de desempenho
sexual a que os meninos estão sujeitos. Há um grande orgulho para a família
quando tudo vai bem; e quanto mais precoce for esta experiência, melhor. Isto
parece ser indicativo de que se trata de um menino normal. Um dos fantasmas que
mais preocupam os pais nesta fase é o de que seus filhos tenham alguma
dificuldade nesta área, que teria como desgraça maior a homossexualidade. E
sempre difícil saber quanto os pais estão preocupados com o bem estar
psicológico dos seus filhos ou quanto estão mesmo é interessados em manter suas
posições de educadores e, portanto, suas próprias reputações perante o seu
grupo de referência adulto.
Enfim, o fato é que, num determinado
momento, em geral 1 a
3 anos após o início da prática sistemática da mas-turbação, o menino se arma
de toda a coragem – muitas vezes ajudado até pelo álcool – e vai tentar
preencher as expectativas que todos esperam dele, principalmente ele próprio.
Não vai à procura de prazer, do encontro físico como fonte de alegria e
enriquecimento. Vai cumprir uma missão. Vai tentar conseguir uma ereção. Uma
penetração vaginal. Uma ejaculação em um tempo razoável, que não pode ser nem
muito curto, nem muito longo (o início da contagem do tempo é o momento da
penetração). Em síntese, vai tentar manter uma relação sexual. O mais comum é
que o faça com uma prostituta. Prostituta ou não, será uma mulher qualquer,
entendido isto não no sentido moral ou pejorativo, mas sim no sentido literal,
isto é, uma mulher indiscriminada, uma pessoa que seja desconhecida para ele,
com quem não teve nenhum contato anterior e com quem provavelmente não terá
nenhum outro contato. Não é necessário levar em conta nenhuma afinidade
intelectual, emocional e nem mesmo física!
Todo o mundo sabe, e neste sentido
foram muito úteis os estudos recentes e sua grande divulgação (infelizmente não
tão grande em nosso país) sobre a sexualidade humana, da importância do
primeiro encontro sexual para a vida emocional do rapaz. É óbvio que é
importante também no caso das meninas, cuja rápida evolução trataremos noutra
parte. Apesar disto, tudo continua se passando, para a maioria dos rapa-zes,
mais ou menos como foi descrito aqui. O saber das coisas a respeito da vida
sexual não determinou nenhuma mudança neste setor, e eu acho bom ressaltar
isto. O destino da maioria dos rapazes depende, em boa parte, do que acontecer
nesta primeira experiência sexual, que se dá em condições péssimas. Se ele for
bem sucedido, ótimo. O fracasso, não raro, especialmente para aqueles mais
emotivos e sensíveis, que podem ser mais influídos pelas condições gerais em
que se dá a experiência, poderá trazer conseqüências catastróficas para a
futura evolução global da personalidade, especialmente com repercussões na área
afetiva, além da inibição na vida sexual, onde a coragem para tentar uma outra
vez pode só aparecer anos depois.
Além da enorme pressão do meio dos
adultos, existe uma exigência maior ainda por parte do próprio grupo de
adolescentes. Aí, os critérios da masculinidade são ainda mais estranhos e
exigentes. São tão exigentes que são capazes de determinar uma enorme sensação
de incompetência em quase todos os jovens! E isto me parece uma coisa muito
importante e nada casual, apesar de que estes aspectos da psicologia são
raramente abordados. Em resumo rápido, o ambiente dos adolescentes define a masculinidade
nos seguintes termos: é tanto mais macho aquele que tenha um pênis maior (em
comprimento e espessura), que for capaz de ejacular um maior número de vezes
num menor espaço de tempo (um tempo certo deve existir à ejaculação), que for
capaz de ter relações em nada discriminadas quanto às características da
parceira, local e comodidades para a prática do ato sexual, e assim por diante.
Os que conseguem sucesso nestas condições louvam suas conquistas e isto
complica ainda mais os sentimentos dos que não são assim... quase todos. Há
ainda outros critérios de segunda ordem de importância, mas também bastante
influentes no sentido de ajudarem a compor sentimentos de incompetência:
estatura, envergadura do tórax, número de pelos da barba e no corpo, etc.
Parece-me muito fácil entender que
os sentimentos de inferioridade se tornem quase que universais nesta área, pois
os critérios a serem preenchidos são tantos e tão absurdos que não há jeito de
não fracassar em um ou mais dos seus itens. Não é difícil de entender também
que muitos rapazes tentem adiar ao máximo sua primeira “experiência” sexual,
por não se sentirem com coragem de enfrentar tão delicada situação. Porém, isto
compromete seriamente sua situação e sua reputação perante o grupo de
referências (amigos, colegas de escola, parentes próximos da mesma idade). Com
freqüência é objeto de incríveis ridicularizações, o que evidentemente agrava
ainda mais o já complicado estado de coisas. Muitos tentam salvar as aparências
e inventam histórias completas, onde louvam suas experiências inexistentes e
suas glórias de macho. Os outros rapazes do grupo ouvem tudo isto com muita
admiração – em geral acreditam – e estas mentiras acabam servindo para provocar
ainda maiores inseguranças e sentimentos de inferioridade nos outros que estão
ouvindo. Como dá facilmente para perceber, os sentimentos negativos vão se
transmitindo de um para o outro, e o resultado é um crescente e progressivo
comprometimento emocional de todo o mundo. É um absurdo que se repete
regularmente em todas as gerações!
Não é preciso frisar mais que a
figura da mulher está completamente perdida como ser humano, com suas emoções,
sentimentos e sensibilidades. A preocupação básica é exclusivamente ser bem
sucedido na função masculina de ereção e ejaculação no tempo adequado. Há algum
interesse pelas meninas recatadas, com as quais poderiam namorar e nunca
manterem maiores intimidades sexuais. Porém, mesmo este interesse é
superficial. Não há intimidade possível, porque rapazes e moças têm medo um do
outro. É como se vivessem em dois mundos completamente diferentes. Para os
homens há dois tipos diferentes de mulher: as de amar e namorar com recato, e
as que servem para as funções sexuais. É assim que todos são educados. Por esta
drástica e radical ruptura entre dois tipos diferentes de abordagem da mulher,
muitos homens (em certa medida, todos) pagam mais tarde um terrível tributo,
que é a incapacidade sexual em relação às mulheres por eles verdadeiramente
respeitadas e valorizadas.
Conclusão:
apesar de ser quase uma figura teórica ou utópica, o macho ideal para os
padrões da nossa cultura é um homem alto, de ombros largos, de pênis grande
(até há muito tempo ninguém se interessou em saber o que as mulheres pensam
disto!) capaz de manter várias relações sexuais seguidas com qualquer mulher,
em qualquer situação ambiental, sem medos ou titubeios de espécie alguma,
inclusive tudo isto absolutamente independente do seu estado emocional ou de
qualquer outra variável subjetiva. Enfim, cria-se o modelo de uma besta. Um
animal sem qualquer dose de sensibilidade ou emoção capaz de interferir no
desempenho sexual. Sem qualquer preocupação ou respeito pela mulher,
exclusiva-mente objeto de prazer, para ele (como vimos anteriormente, nem mesmo
isto é absolutamente verdadeiro). Às vezes a preocupação em agradar a mulher
aparece, mas ainda de modo secundário e não como manifestação de carinho ou
interesse, mas para reforçar ainda mais suas virtudes de macho. Aliás, para ser
preciso, é necessário dizer que há mesmo uma certa louvação da capacidade de
desprezar as mulheres, e isto aparece de modo bastante claro no tipo de
vocabulário usado a respeito pelos rapazes – e mesmo entre homens adultos –
quando se referem às mulheres com quem mantiveram qualquer tipo de aproximação sexual.
As coisas postas nestes termos podem
parecer chocantes, ou mesmo uma abordagem que exagera os fatos: mas a verdade é
esta. E até hoje as coisas não mudaram em nada. É isso que todo homem – pelo
menos durante um bom período de sua vida – sonha em ser. É por comparação com
este modelo absurdo, deformado, grosseiro que todos os homens se sentem
inferiorizados, incompetentes. É isto que os torna amedrontados diante das
mulheres (e talvez diante de várias situações da vida adulta).
No fim das contas, os homens se
sentem inferiores e pequenos exatamente porque têm sensibilidade, emoções,
olfato, tato, etc... e portanto, não podem preencher o critério da
indiscriminação, e o da capacidade sexual em qualquer estado ou clima
emocional. Do mesmo modo, poucos homens se julgam portadores de um pênis de
dimensões apropriadas. O estranho e quase inacreditável é que estes critérios
da adolescência se perpetuam por longos anos da vida adulta e eu os tenho
encontrado mesmo entre os homens mais esclarecidos e cultos.
Os fracassos sexuais continuam sendo
sentidos pelos homens como uma coisa bastante grave, motivo de brutais
preocupações, e desencadeantes de freqüentes e fortes crises depressivas. É
muito difícil convencer, mesmo as pessoas esclarecidas, de que, do mesmo modo
que certas situações da vida subjetiva ou objetiva podem determinar alterações
na capacidade de se alimentar ou de dormir, podem interferir também na função
sexual. Nada mais lógico e esperado do que existirem fracassos sexuais em
certas situações de maior ansiedade. Uma delas, por exemplo, é a do primeiro
encontro sexual entre um homem e uma mulher que se valorizam e têm real
interesse um pelo outro. O medo de desapontar ou de não ser bem sucedido pode,
juntamente com um compreensível constrangimento bilateral, provocar um estado
de ansiedade que determine a completa inibição da capacidade sexual do homem.
Isto ocorre também com a mulher, mas, por razões óbvias, o problema do homem é
manifestado primeiro, porque é mais observável, ainda mais que à mulher sobra
sempre o recurso de fingir. Há várias outras situações em que a ansiedade ou o
medo ou outros mal-estares, podem provocar inibição sexual no homem. Ou melhor
têm que provocar inibição sexual no homem.
Isto significa que não somos bestas,
mas sim animais humanos, sensíveis, portadores de emoções; a sexualidade tem
que fazer parte do conjunto das sensações humanas e não ser vivida como uma
entidade isolada, estanque, funcionando sempre de modo igual, independentemente
do que esteja ocorrendo com o resto do indivíduo. São dignos e humanos aqueles
que têm uma sexualidade variável, de desempenho relacionado com a situação
objetiva e subjetiva. Enfim, aqueles que levam em conta que a relação sexual
envolve mais uma pessoa.
Já é tempo de se tentar atenuar,
pelo menos na cama, o caráter competitivo e de preocupação de desempenho, que
todos nós – principalmente os homens – estamos submetidos o dia inteiro no
mundo do trabalho. Já é tempo para que a relação sexual entre um homem e uma
mulher possa ser vivida como uma importante fonte de prazer e realização para
ambos e não como mais uma tarefa (nas pessoas casadas, a ultima do dia!) a ser
realizada com eficiência e rigor. É triste constatar que, inversamente, o que
está ocorrendo é que as preocupações de desempenho sexual e de eficiência não
estão absolutamente diminuindo nos homens e que, isto sim, estão aumentando nas
mulheres também.
O que era importante descobrir e
aperfeiçoar em termos de técnicas sexuais e conhecimento de sua fisiologia já
foi feito no decurso da década passada, especialmente nos Estados Unidos. Foi
um período que desvendou, pela primeira vez, e esclareceu muito sobre
importantes dados, mantidos em total desconhecimento até então. E isto se deve
ao fato de que nós sempre vivemos numa cultura que lida de uma maneira muito
peculiar (mais do que simplesmente preconceituosa, a meu ver) com as coisas do
sexo e do amor. Porém, estes novos conhecimentos não precisariam ser
transformados em um aumento ainda maior da preocupação de desempenho e
eficiência, como me parece que tem ocorrido. São informações úteis, porém que
devem ser manuseadas com imaginação, liberdade e amor.
São saudáveis, humanos, sensíveis e
respeitosos os homens que têm fracassos sexuais esporádicos. E as mulheres
sabem (ou intuem) disto, que os homens precisam aprender. A experiência do
fracasso sexual, apesar do seu caráter brutal e terrivelmente angustiante, é
uma sensação básica, porque é a quebra do machismo. É, portanto, o início de
uma relação mais digna, mais nivelada, entre um homem e uma mulher. E isto é
uma conquista absolutamente original, de significado enorme e totalmente
imprevisível.
Eu quero ainda discutir um pouco
alguns aspectos do machismo, que ultrapassam os limites da psicologia normal e
mesmo da psicologia. Inicialmente, as relações entre o desenvolvimento da
sexualidade masculina e a violência. Já apontei nas páginas anteriores, na
descrição do período de latência, como nos meninos a capacidade de agir de um
modo agressivo direto (briga), fica sendo uma das manifestações de sua
capacidade de macho. Inversamente, o não preenchimento do padrão
agressivo-competitivo traz como conseqüência uma forte sensação de fraqueza,
covardia e de incompetência como homem, que se estende imediatamente para a
área sexual. Quanto mais agressivo e violento em geral for o padrão, maior
número de meninos se sentirão muito precocemente incompetentes. E isto pode
agravar muito intensamente os temores já inevitáveis das aproximações sexuais
esperadas durante o período seguinte, ou seja durante os primeiros anos da
adolescência. Acontece que os meninos mais sensíveis e emotivos têm muita
dificuldade de lidar com a agressividade. E isto pode ser entendida de várias
maneiras. Ou porque, devido à sensibilidade, sejam capazes de se colocar na
situação do outro e avaliarem a dor que são capazes de impor ao outro. Ou
porque tenham incorporado mais intensamente do que os outros, uma das normas
contraditórias do período educacional anterior, qual seja o de que a
agressividade é uma coisa feia e inaceitável, do mesmo modo que o sexo
(contraditório porque a agressividade das crianças pequenas se tenta reprimir
com a agressividade dos adultos sobre eles). Ou porque tenham saído mais
machucados do que a média dos meninos do período edipiano anterior e por isso
mais inibidos e tímidos. E assim por diante...
O
fato é que, tendo dificuldades com as condutas agressivas, são tachados de
maricas, ridicularizados, marginalizados do grupo. São desprezados, como são
desprezadas as meninas.
Seus modos mais delicados (próprios
de pessoas sensíveis em geral), seus interesses divergentes dos habituais
jogos, tudo é sinal de diferença e indicativo de que algo de muito errado está
se passando com o menino. Assim, se ele gostar de música e de leituras em vez
de futebol, é um óbvio homossexual, mesmo que só tenha 10 anos de idade. Se
interessar por balé, nem se fala. Se não participar das brigas próprias deste
período da vida e preferir (ou precisar, por medo) ficar em casa, chamará a
atenção dos pais na mesma direção; e estes o estimularão para enfrentar
justamente as situações mais difíceis e traumáticas. Nada melhor, nestes casos,
do que colocar – à força – o menino numa academia de Judô ou Karatê. E a
incompetência obviamente se acentua e se torna mais marcante para o próprio
menino, que através da preocupação dos pais, também tem mais um dado para
perceber para si mesmo que ele é um ser humano diferente dos outros. Um
homossexual.
E é com este estado subjetivo que
ele chega à adolescência. É evidente que não terá coragem de enfrentar um
relacionamento sexual com uma mulher. É evidente que o seu relacionamento com
os outros meninos será péssimo. Um misto de inveja e de ressentimento.
Desenvolve-se uma verdadeira fobia sexual em relação às mulheres. A intensidade
do medo é tão grande que provavelmente só imaginar uma situação sexual com uma
mulher já provoca todas as reações físicas de pânico. O desejo heterossexual
neste clima se extingue. Naturalmente o componente homossexual vai tomando
conta do processo mental, indiscutivelmente associado – ao menos em parte – com
uma atitude de raiva e hostilidade contra as figuras masculinas. O homossexual,
em geral, tem raiva dos homens. Pelas mulheres, após o total desinteresse
sexual determinado pelo medo-pânico da situação, indiferença e desatenção. Só
se relacionam com certa intimidade entre si. Ainda assim com vários tipos de
problemas, a maioria deles relacionados com a precária aceitação da própria
homossexualidade, e, é evidente, da homossexualidade no outro.
Não é minha intenção, por ora, fazer
um estudo exaustivo e uma descrição completa e pormenorizada sobre a
homossexualidade. Também não quero absolutamente dizer que todos os casos de
homossexualidade se expliquem da forma acima. Ela é uma condição ainda
absolutamente não bem entendida ou explicada. O que estou tentando é encontrar
alguns dados de explicação mais ou menos genéricos que possam ajudar a entender
um fenômeno muito bem conhecido, que é o aumento enorme da incidência da
homossexualidade em certos momentos da história humana, como é este que estamos
vivendo.
Com o desenvolvimento e sofisticação
de uma determinada sociedade, crescem os agrupamentos urbanos. Nas sociedades
acidentais, como a nossa atual, cresce a competição entre os homens: as
relações humanas se tornam inevitavelmente mais carregadas de violência. O que
eu quero sugerir é que há uma correlação provável entre o aumento da violência
interpessoal, especialmente na forma como ela se manifesta durante o período
infantil de formação, e o aumento da freqüência da homossexualidade em uma
determinada cultura. A homossexualidade seria, pelo menos em um grande número
de casos, uma manifestação extrema da incapacidade do homem de preencher, nem
nos seus requisitos mínimos, os padrões masculinos exigidos. E ela é, em parte,
uma condição imposta de fora, pelo meio. Não há muita saída para um menino
sensível, pouco agressivo, de modos delicados, com interesses muito diferentes
dos habituais e próprios da sociedade em que ele vive. Um bom número deles
associa isto a uma definitiva incompetência sexual como macho. Outros
conseguem, no processo da adolescência, se salvar desta condição, muitas vezes
favorecidos exclusivamente pelo acaso (encontro, por exemplo, de uma moça capaz
de ajudá-lo a vencer as terríveis sensações do medo da situação heterossexual).
Nos Estados Unidos, onde a
freqüência da homossexualidade masculina atinge cifras altamente expressivas
(provavelmente superiores a 10% da população; são apenas estimativas, porque um
bom número de homossexuais, em virtude de posições profissionais que ocupam,
muitas vezes vivem esta condição de uma maneira absolutamente clandestina), a
Associação Psiquiátrica Americana passou a considerar, desde há alguns anos,
esta condição como fora da categoria de patologia psiquiátrica. Em verdade, não
havia outra solução. Ou se aceita a homossexualidade como sendo uma variação
possível da normalidade humana, ou se tem que incriminar as sociedades
acidentais, doentes, como as responsáveis por ela, que, pelos números e pelo
seu caráter episódico e cíclico, é mais do domínio da ordem social e política
do que da psicologia.
É ao redor deste momento difícil, em
que as fronteiras da psicologia esbarram com aspectos básicos da organização
social humana, que eu ainda quero fazer mais algumas observações acerca do
machismo. É evidente, pelo que foi dito antes, que a homossexualidade é
conseqüência extrema do não preenchimento do modelo cultural do macho. Já disse
também que praticamente ninguém preenche razoavelmente (segundo os critérios
individuais e interiores) este modelo. Que a conseqüência disto é um sentimento
de inferioridade universal – este está presente também em todas as mulheres,
por razões diferentes – presente em proporções diversas em cada um de nós,
também em conseqüência de outras variáveis, que definem as condições de sucesso
ou fracasso na nossa cultura. O sentimento de inferioridade tem sobre a
estrutura global da personalidade várias influências. Apesar de ter suas
origens profundamente vinculadas à sexualidade e às relações desta com a
agressividade, se estende para todas as áreas do processo psíquico. Influi
decisivamente sobre a razão. O indivíduo passa a não confiar em nada que nasça
de dentro de si mesmo. Quanto mais original forem seus conceitos e suas idéias,
mais medo tem delas. Como pode acreditar em si mesmo se está tudo contaminado
com uma profunda noção de incompetência, de fraqueza, de insuficiência? O jeito
é se guiar pelos modelos externos, propostos pela cultura. Fazer como todo o mundo
faz. Agir e pensar (até mesmo pensar) como parece que os outros fazem. O estilo
de viver deverá ser o de todos. As ambições, as metas, as formas de
alcançá-las, tudo.
Por não se poder acreditar no modo
próprio de encarar a vida é que não se pode fazer, na prática, as tentativas de
inovar nada. Os sonhos são bobagens que têm que ser deixados de lado o mais
breve possível. O período de revolta contra as óbvias aberrações da cultura
deverá ter curta duração, e em breve chega a maturidade onde tudo se apazigua.
A cultura tem uma atitude complacente e condescendente com os seus adolescentes
rebeldes. É tudo efêmero. Existem e são bem conhecidos os mecanismos para
atenuar estas rebeliões; elas correspondem, dizem, apenas a insatisfações
psicológicas pessoais, especialmente na área afetiva. Logo os rapazes e moças
se apaixonam pelos seus companheiros certos, constituem novas famílias, e tudo
se normaliza. O trabalho e as necessidades materiais de sobrevivência tornam
conta de toda a atenção do jovem casal e eles param de se preocupar com os
assuntos sociais e só se interessam pela sua própria vida. E isto quer dizer
que se atingiu, finalmente à maturidade.
O fato curioso é que pelo final da
adolescência, isto é, após a solução da problemática sexual básica, com sucesso
na capacidade de manter relações sexuais normais apesar de todos os obstáculos
e dificuldades (a verdade é que a maioria consegue se sair razoavelmente bem
deste massacre), os jovens estão bastante mais confiantes em si mesmos e em
geral isto corresponde a um período muito rico de interesses sociais mais
amplos, quando a situação permite e cria condições para que isto ocorra.
Rapidamente aparecem, para a maioria dos rapazes e moças, os característicos
encontros sentimentais, que descrevemos depois, o que parece novamente reforçar
todos os sistemas dos sentimentos de inferioridade, acovardando novamente a
todos, criando uma tendência quase definitiva para a perfeita acomodação às
regras da sociedade, tal como ela é. A rebelião da adolescência seria um
pequeno hiato, onde os jovens, encorajados por seus sucessos em lidar com suas
complicadas dificuldades na área da sexualidade, tentam expressar suas idéias
mais livremente, tentam atuar para compor o que eles consideram ser um mundo
mais justo. Mas, evidentemente, esta atitude tem que passar logo, e o
enquadramento será feito através dos futuros envolvimentos amorosos.
E assim vêm se sucedendo gerações
intermináveis de pessoas insatisfeitas, acomodadas em suas infelizes condições,
mas achando que é assim mesmo que tem que ser tudo. A religião, antes, os
consolava. A psicologia, com suas explicações e com seus conceitos de
maturidade, neurose, frustrações, traumas, etc., os tranqüiliza e lhes dá a
certeza de que está tudo indo como pode e como tem que ser.