domingo, 23 de outubro de 2011

O machismo segundo a tese de Gikovate presente na obra Falando de Amor


          O machismo é o aspecto mais característico do comportamento masculino em nossa cultura. Ele corresponde a um exagero, na maioria do tempo ridículo, do papel do homem, especialmente quando se relacionando com as mulheres. Porém, aspectos típicos desta atitude aparecem também nas relações entre homens. Do ponto de vista exterior, há maneirismos que imitam o comportamento grosseiro dos marginais e delinqüentes – os modelos exagerados e quase caricaturais dos machões.  Essencialmente os maneirismos e outros procedimentos verbais são confundidos com virilidade, ou seja, são esforços para se mostrarem publicamente competentes para a prática da intimidade sexual.
            A coisa começa por volta dos 7 anos de idade. É o início do chamado período de latência, que se segue ao período edipiano. São complexos e intrincados os eventos, tensões e sofrimentos; ainda difíceis de determinar o grau e a intensidade das frustrações que correspondem, para o menino, a passagem por este período de luta competitiva com o pai pelo amor da mãe. O que parece indiscutível é que há uma certa estimulação por parte dos adultos para o estabelecimento desta situação exageradamente competitiva. A luta é, obviamente, perdida pelo menino. Não é o momento aqui para discutirmos, outra vez, detalhes do conjunto das emoções próprias do período edipiano.(*) O importante é reafirmar mais uma vez que, por frustrações anteriores, se compõe um período entre 7 e 12-13 anos de idade, onde a atitude visível e detectável dos meninos é de total desprezo e desinteresse pelas meninas.

(*) Tratamos destes aspectos mais pormenorizadamente em “Dificuldades do Amor”
MG Editores Associados – S. Paulo.

            As meninas têm seus jogos próprios, com um caráter bastante ameno e relativamente pouco agressivo, onde imitam as tradicionais atitudes e funções da mulher (brincam de casinha, cuidam de suas bonecas como se fossem suas filhas, etc.). Elas são proibidas de participar das atividades masculinas. Quase todas se constituem de jogos essencialmente de tipo competitivo e ricos em violência e agressividade direta – durante um jogo de futebol, por exemplo, a impressão que se tem é de que a atividade competitiva é só pretexto para se criarem situações de briga; há mais discussões, polêmica verbal, rapidamente se encaminhando para um desfecho de agressão física, do que jogo. Os meninos desta idade se constituem em turmas, onde têm que enfrentar, além das tensões internas, brigas e ataques contínuos das outras turmas, sempre constituídas por inimigos. É um clima geral de medo, especialmente para aqueles que se sintam, por qualquer razão, com menos capacidade para enfrentar as brigas e tensões que se exprimam como violência física direta.
            A maioria dos meninos consegue desempenhar razoavelmente este padrão de comportamento exigido, que não se pode mesmo dizer com prioridade de onde vêm, e nem mesmo se corresponde ao anseio da maioria. Da experiência clínica e pessoal, nunca ouvi ninguém contar deste período da vida com alegria e orgulho, apenas. Está sempre associado a situações de medo, de experiências homossexuais bastante constrangedoras, cuja lembrança funciona como um fantasma incômodo. Lembranças de brigas evitadas por causa do medo (de machucar o outro ou de apanhar), associadas a forte sensação de covardia e vergonha. Algumas lembranças de caráter heróico, associadas a façanhas individuais ou do grupo.
            Um bom número deles são mal sucedidos neste modo particular de viver estes anos em nosso meio. São terrivelmente ridicularizados pelos outros. São tratados como seres desprezíveis similares às meninas. Alguns deles se retraem do grupo, se trancam em casa, intimidados. Outros, continuam participando do grupo, no papel de “maricas”, objetos de todo o tipo de chacota e ridicularização, fortemente ameaçados com tentativas homossexuais ativas dos mais fortes sobre eles. Vale a pena concluir já – e a isto voltaremos depois – que se estabelece claramente uma correlação entre competência agressiva e competência sexual. Os mais violentos e capazes de expressar mais livremente sua agressividade serão os mais viris.
            Com a puberdade e início da adolescência (13-17 anos) volta o interesse pelas mulheres. O fato mais marcante desta retomada de importância e significado da menina é que o desprezo rapidamente se transforma em medo. E este é um fato curioso, pois as mulheres se transformam em ameaçadoras não só para a abordagem sexual, mas também para fins de namoro ingênuo. E provável que este medo tenha relação direta com uma sensação de incompetência como macho, que é o que acaba restando em quase todo o mundo como resultado do terrível período de latência. De todas as aproximações, a sexual é a mais temida (além de também desejada) ; é o “pôr-se à prova”, testar-se como homem. Ninguém está preparado para isto. E se fracassarem? É uma tragédia que tem que ser evitada a qualquer custo. E tem que ser evitada para si mesmo e também (num nível de importância comparável) para fins de reputação perante o grupo, cuja importância continua sendo muito grande, como aferidor das características e competências masculinas.
            Não há a menor condição para enfrentar uma intimidade sexual real. O medo é muito maior do que o enorme desejo. A masturbação é a solução. Resolve o desejo, apesar dos sentimentos de culpa de estar tendo um procedimento indigno e de eventuais efeitos maléficos para a saúde física e mental.
            Com o passar do tempo, com o imaginar em fantasias durante a masturbação todas as possibilidades e variáveis da situação sexual objetiva, o brutal medo vai se atenuando. Além do mais, existe uma óbvia e ostensiva pressão do meio – colegas mais velhos, irmãos e principalmente o próprio pai, ou indiretamente os pais – no sentido de que a iniciação sexual se dê o mais rápido possível. Não são raros os pais que se encarregam pessoalmente de introduzir seus filhos a alguma prostituta que eles reputam de confiança para executarem tal tarefa. Tal comportamento dos pais denota, é evidente, uma preocupação com a primeira experiência do seu filho (todos sabem, por introspecção, como um fracasso nesta condição poderia ter enormes repercussões sobre o futuro sexual e como homem, em geral do menino). Mas isto é, também, um importante indicativo das brutais pressões de desempenho sexual a que os meninos estão sujeitos. Há um grande orgulho para a família quando tudo vai bem; e quanto mais precoce for esta experiência, melhor. Isto parece ser indicativo de que se trata de um menino normal. Um dos fantasmas que mais preocupam os pais nesta fase é o de que seus filhos tenham alguma dificuldade nesta área, que teria como desgraça maior a homossexualidade. E sempre difícil saber quanto os pais estão preocupados com o bem estar psicológico dos seus filhos ou quanto estão mesmo é interessados em manter suas posições de educadores e, portanto, suas próprias reputações perante o seu grupo de referência adulto.
            Enfim, o fato é que, num determinado momento, em geral 1 a 3 anos após o início da prática sistemática da mas-turbação, o menino se arma de toda a coragem – muitas vezes ajudado até pelo álcool – e vai tentar preencher as expectativas que todos esperam dele, principalmente ele próprio. Não vai à procura de prazer, do encontro físico como fonte de alegria e enriquecimento. Vai cumprir uma missão. Vai tentar conseguir uma ereção. Uma penetração vaginal. Uma ejaculação em um tempo razoável, que não pode ser nem muito curto, nem muito longo (o início da contagem do tempo é o momento da penetração). Em síntese, vai tentar manter uma relação sexual. O mais comum é que o faça com uma prostituta. Prostituta ou não, será uma mulher qualquer, entendido isto não no sentido moral ou pejorativo, mas sim no sentido literal, isto é, uma mulher indiscriminada, uma pessoa que seja desconhecida para ele, com quem não teve nenhum contato anterior e com quem provavelmente não terá nenhum outro contato. Não é necessário levar em conta nenhuma afinidade intelectual, emocional e nem mesmo física!
            Todo o mundo sabe, e neste sentido foram muito úteis os estudos recentes e sua grande divulgação (infelizmente não tão grande em nosso país) sobre a sexualidade humana, da importância do primeiro encontro sexual para a vida emocional do rapaz. É óbvio que é importante também no caso das meninas, cuja rápida evolução trataremos noutra parte. Apesar disto, tudo continua se passando, para a maioria dos rapa-zes, mais ou menos como foi descrito aqui. O saber das coisas a respeito da vida sexual não determinou nenhuma mudança neste setor, e eu acho bom ressaltar isto. O destino da maioria dos rapazes depende, em boa parte, do que acontecer nesta primeira experiência sexual, que se dá em condições péssimas. Se ele for bem sucedido, ótimo. O fracasso, não raro, especialmente para aqueles mais emotivos e sensíveis, que podem ser mais influídos pelas condições gerais em que se dá a experiência, poderá trazer conseqüências catastróficas para a futura evolução global da personalidade, especialmente com repercussões na área afetiva, além da inibição na vida sexual, onde a coragem para tentar uma outra vez pode só aparecer anos depois.
            Além da enorme pressão do meio dos adultos, existe uma exigência maior ainda por parte do próprio grupo de adolescentes. Aí, os critérios da masculinidade são ainda mais estranhos e exigentes. São tão exigentes que são capazes de determinar uma enorme sensação de incompetência em quase todos os jovens! E isto me parece uma coisa muito importante e nada casual, apesar de que estes aspectos da psicologia são raramente abordados. Em resumo rápido, o ambiente dos adolescentes define a masculinidade nos seguintes termos: é tanto mais macho aquele que tenha um pênis maior (em comprimento e espessura), que for capaz de ejacular um maior número de vezes num menor espaço de tempo (um tempo certo deve existir à ejaculação), que for capaz de ter relações em nada discriminadas quanto às características da parceira, local e comodidades para a prática do ato sexual, e assim por diante. Os que conseguem sucesso nestas condições louvam suas conquistas e isto complica ainda mais os sentimentos dos que não são assim... quase todos. Há ainda outros critérios de segunda ordem de importância, mas também bastante influentes no sentido de ajudarem a compor sentimentos de incompetência: estatura, envergadura do tórax, número de pelos da barba e no corpo, etc.
            Parece-me muito fácil entender que os sentimentos de inferioridade se tornem quase que universais nesta área, pois os critérios a serem preenchidos são tantos e tão absurdos que não há jeito de não fracassar em um ou mais dos seus itens. Não é difícil de entender também que muitos rapazes tentem adiar ao máximo sua primeira “experiência” sexual, por não se sentirem com coragem de enfrentar tão delicada situação. Porém, isto compromete seriamente sua situação e sua reputação perante o grupo de referências (amigos, colegas de escola, parentes próximos da mesma idade). Com freqüência é objeto de incríveis ridicularizações, o que evidentemente agrava ainda mais o já complicado estado de coisas. Muitos tentam salvar as aparências e inventam histórias completas, onde louvam suas experiências inexistentes e suas glórias de macho. Os outros rapazes do grupo ouvem tudo isto com muita admiração – em geral acreditam – e estas mentiras acabam servindo para provocar ainda maiores inseguranças e sentimentos de inferioridade nos outros que estão ouvindo. Como dá facilmente para perceber, os sentimentos negativos vão se transmitindo de um para o outro, e o resultado é um crescente e progressivo comprometimento emocional de todo o mundo. É um absurdo que se repete regularmente em todas as gerações!
            Não é preciso frisar mais que a figura da mulher está completamente perdida como ser humano, com suas emoções, sentimentos e sensibilidades. A preocupação básica é exclusivamente ser bem sucedido na função masculina de ereção e ejaculação no tempo adequado. Há algum interesse pelas meninas recatadas, com as quais poderiam namorar e nunca manterem maiores intimidades sexuais. Porém, mesmo este interesse é superficial. Não há intimidade possível, porque rapazes e moças têm medo um do outro. É como se vivessem em dois mundos completamente diferentes. Para os homens há dois tipos diferentes de mulher: as de amar e namorar com recato, e as que servem para as funções sexuais. É assim que todos são educados. Por esta drástica e radical ruptura entre dois tipos diferentes de abordagem da mulher, muitos homens (em certa medida, todos) pagam mais tarde um terrível tributo, que é a incapacidade sexual em relação às mulheres por eles verdadeiramente respeitadas e valorizadas.
            Conclusão: apesar de ser quase uma figura teórica ou utópica, o macho ideal para os padrões da nossa cultura é um homem alto, de ombros largos, de pênis grande (até há muito tempo ninguém se interessou em saber o que as mulheres pensam disto!) capaz de manter várias relações sexuais seguidas com qualquer mulher, em qualquer situação ambiental, sem medos ou titubeios de espécie alguma, inclusive tudo isto absolutamente independente do seu estado emocional ou de qualquer outra variável subjetiva. Enfim, cria-se o modelo de uma besta. Um animal sem qualquer dose de sensibilidade ou emoção capaz de interferir no desempenho sexual. Sem qualquer preocupação ou respeito pela mulher, exclusiva-mente objeto de prazer, para ele (como vimos anteriormente, nem mesmo isto é absolutamente verdadeiro). Às vezes a preocupação em agradar a mulher aparece, mas ainda de modo secundário e não como manifestação de carinho ou interesse, mas para reforçar ainda mais suas virtudes de macho. Aliás, para ser preciso, é necessário dizer que há mesmo uma certa louvação da capacidade de desprezar as mulheres, e isto aparece de modo bastante claro no tipo de vocabulário usado a respeito pelos rapazes – e mesmo entre homens adultos – quando se referem às mulheres com quem mantiveram qualquer tipo de aproximação sexual.
            As coisas postas nestes termos podem parecer chocantes, ou mesmo uma abordagem que exagera os fatos: mas a verdade é esta. E até hoje as coisas não mudaram em nada. É isso que todo homem – pelo menos durante um bom período de sua vida – sonha em ser. É por comparação com este modelo absurdo, deformado, grosseiro que todos os homens se sentem inferiorizados, incompetentes. É isto que os torna amedrontados diante das mulheres (e talvez diante de várias situações da vida adulta).
            No fim das contas, os homens se sentem inferiores e pequenos exatamente porque têm sensibilidade, emoções, olfato, tato, etc... e portanto, não podem preencher o critério da indiscriminação, e o da capacidade sexual em qualquer estado ou clima emocional. Do mesmo modo, poucos homens se julgam portadores de um pênis de dimensões apropriadas. O estranho e quase inacreditável é que estes critérios da adolescência se perpetuam por longos anos da vida adulta e eu os tenho encontrado mesmo entre os homens mais esclarecidos e cultos.
            Os fracassos sexuais continuam sendo sentidos pelos homens como uma coisa bastante grave, motivo de brutais preocupações, e desencadeantes de freqüentes e fortes crises depressivas. É muito difícil convencer, mesmo as pessoas esclarecidas, de que, do mesmo modo que certas situações da vida subjetiva ou objetiva podem determinar alterações na capacidade de se alimentar ou de dormir, podem interferir também na função sexual. Nada mais lógico e esperado do que existirem fracassos sexuais em certas situações de maior ansiedade. Uma delas, por exemplo, é a do primeiro encontro sexual entre um homem e uma mulher que se valorizam e têm real interesse um pelo outro. O medo de desapontar ou de não ser bem sucedido pode, juntamente com um compreensível constrangimento bilateral, provocar um estado de ansiedade que determine a completa inibição da capacidade sexual do homem. Isto ocorre também com a mulher, mas, por razões óbvias, o problema do homem é manifestado primeiro, porque é mais observável, ainda mais que à mulher sobra sempre o recurso de fingir. Há várias outras situações em que a ansiedade ou o medo ou outros mal-estares, podem provocar inibição sexual no homem. Ou melhor têm que provocar inibição sexual no homem.
            Isto significa que não somos bestas, mas sim animais humanos, sensíveis, portadores de emoções; a sexualidade tem que fazer parte do conjunto das sensações humanas e não ser vivida como uma entidade isolada, estanque, funcionando sempre de modo igual, independentemente do que esteja ocorrendo com o resto do indivíduo. São dignos e humanos aqueles que têm uma sexualidade variável, de desempenho relacionado com a situação objetiva e subjetiva. Enfim, aqueles que levam em conta que a relação sexual envolve mais uma pessoa.
            Já é tempo de se tentar atenuar, pelo menos na cama, o caráter competitivo e de preocupação de desempenho, que todos nós – principalmente os homens – estamos submetidos o dia inteiro no mundo do trabalho. Já é tempo para que a relação sexual entre um homem e uma mulher possa ser vivida como uma importante fonte de prazer e realização para ambos e não como mais uma tarefa (nas pessoas casadas, a ultima do dia!) a ser realizada com eficiência e rigor. É triste constatar que, inversamente, o que está ocorrendo é que as preocupações de desempenho sexual e de eficiência não estão absolutamente diminuindo nos homens e que, isto sim, estão aumentando nas mulheres também.
            O que era importante descobrir e aperfeiçoar em termos de técnicas sexuais e conhecimento de sua fisiologia já foi feito no decurso da década passada, especialmente nos Estados Unidos. Foi um período que desvendou, pela primeira vez, e esclareceu muito sobre importantes dados, mantidos em total desconhecimento até então. E isto se deve ao fato de que nós sempre vivemos numa cultura que lida de uma maneira muito peculiar (mais do que simplesmente preconceituosa, a meu ver) com as coisas do sexo e do amor. Porém, estes novos conhecimentos não precisariam ser transformados em um aumento ainda maior da preocupação de desempenho e eficiência, como me parece que tem ocorrido. São informações úteis, porém que devem ser manuseadas com imaginação, liberdade e amor.
            São saudáveis, humanos, sensíveis e respeitosos os homens que têm fracassos sexuais esporádicos. E as mulheres sabem (ou intuem) disto, que os homens precisam aprender. A experiência do fracasso sexual, apesar do seu caráter brutal e terrivelmente angustiante, é uma sensação básica, porque é a quebra do machismo. É, portanto, o início de uma relação mais digna, mais nivelada, entre um homem e uma mulher. E isto é uma conquista absolutamente original, de significado enorme e totalmente imprevisível.
            Eu quero ainda discutir um pouco alguns aspectos do machismo, que ultrapassam os limites da psicologia normal e mesmo da psicologia. Inicialmente, as relações entre o desenvolvimento da sexualidade masculina e a violência. Já apontei nas páginas anteriores, na descrição do período de latência, como nos meninos a capacidade de agir de um modo agressivo direto (briga), fica sendo uma das manifestações de sua capacidade de macho. Inversamente, o não preenchimento do padrão agressivo-competitivo traz como conseqüência uma forte sensação de fraqueza, covardia e de incompetência como homem, que se estende imediatamente para a área sexual. Quanto mais agressivo e violento em geral for o padrão, maior número de meninos se sentirão muito precocemente incompetentes. E isto pode agravar muito intensamente os temores já inevitáveis das aproximações sexuais esperadas durante o período seguinte, ou seja durante os primeiros anos da adolescência. Acontece que os meninos mais sensíveis e emotivos têm muita dificuldade de lidar com a agressividade. E isto pode ser entendida de várias maneiras. Ou porque, devido à sensibilidade, sejam capazes de se colocar na situação do outro e avaliarem a dor que são capazes de impor ao outro. Ou porque tenham incorporado mais intensamente do que os outros, uma das normas contraditórias do período educacional anterior, qual seja o de que a agressividade é uma coisa feia e inaceitável, do mesmo modo que o sexo (contraditório porque a agressividade das crianças pequenas se tenta reprimir com a agressividade dos adultos sobre eles). Ou porque tenham saído mais machucados do que a média dos meninos do período edipiano anterior e por isso mais inibidos e tímidos. E assim por diante...
                O fato é que, tendo dificuldades com as condutas agressivas, são tachados de maricas, ridicularizados, marginalizados do grupo. São desprezados, como são desprezadas as meninas.
            Seus modos mais delicados (próprios de pessoas sensíveis em geral), seus interesses divergentes dos habituais jogos, tudo é sinal de diferença e indicativo de que algo de muito errado está se passando com o menino. Assim, se ele gostar de música e de leituras em vez de futebol, é um óbvio homossexual, mesmo que só tenha 10 anos de idade. Se interessar por balé, nem se fala. Se não participar das brigas próprias deste período da vida e preferir (ou precisar, por medo) ficar em casa, chamará a atenção dos pais na mesma direção; e estes o estimularão para enfrentar justamente as situações mais difíceis e traumáticas. Nada melhor, nestes casos, do que colocar – à força – o menino numa academia de Judô ou Karatê. E a incompetência obviamente se acentua e se torna mais marcante para o próprio menino, que através da preocupação dos pais, também tem mais um dado para perceber para si mesmo que ele é um ser humano diferente dos outros. Um homossexual.
            E é com este estado subjetivo que ele chega à adolescência. É evidente que não terá coragem de enfrentar um relacionamento sexual com uma mulher. É evidente que o seu relacionamento com os outros meninos será péssimo. Um misto de inveja e de ressentimento. Desenvolve-se uma verdadeira fobia sexual em relação às mulheres. A intensidade do medo é tão grande que provavelmente só imaginar uma situação sexual com uma mulher já provoca todas as reações físicas de pânico. O desejo heterossexual neste clima se extingue. Naturalmente o componente homossexual vai tomando conta do processo mental, indiscutivelmente associado – ao menos em parte – com uma atitude de raiva e hostilidade contra as figuras masculinas. O homossexual, em geral, tem raiva dos homens. Pelas mulheres, após o total desinteresse sexual determinado pelo medo-pânico da situação, indiferença e desatenção. Só se relacionam com certa intimidade entre si. Ainda assim com vários tipos de problemas, a maioria deles relacionados com a precária aceitação da própria homossexualidade, e, é evidente, da homossexualidade no outro.
            Não é minha intenção, por ora, fazer um estudo exaustivo e uma descrição completa e pormenorizada sobre a homossexualidade. Também não quero absolutamente dizer que todos os casos de homossexualidade se expliquem da forma acima. Ela é uma condição ainda absolutamente não bem entendida ou explicada. O que estou tentando é encontrar alguns dados de explicação mais ou menos genéricos que possam ajudar a entender um fenômeno muito bem conhecido, que é o aumento enorme da incidência da homossexualidade em certos momentos da história humana, como é este que estamos vivendo.
            Com o desenvolvimento e sofisticação de uma determinada sociedade, crescem os agrupamentos urbanos. Nas sociedades acidentais, como a nossa atual, cresce a competição entre os homens: as relações humanas se tornam inevitavelmente mais carregadas de violência. O que eu quero sugerir é que há uma correlação provável entre o aumento da violência interpessoal, especialmente na forma como ela se manifesta durante o período infantil de formação, e o aumento da freqüência da homossexualidade em uma determinada cultura. A homossexualidade seria, pelo menos em um grande número de casos, uma manifestação extrema da incapacidade do homem de preencher, nem nos seus requisitos mínimos, os padrões masculinos exigidos. E ela é, em parte, uma condição imposta de fora, pelo meio. Não há muita saída para um menino sensível, pouco agressivo, de modos delicados, com interesses muito diferentes dos habituais e próprios da sociedade em que ele vive. Um bom número deles associa isto a uma definitiva incompetência sexual como macho. Outros conseguem, no processo da adolescência, se salvar desta condição, muitas vezes favorecidos exclusivamente pelo acaso (encontro, por exemplo, de uma moça capaz de ajudá-lo a vencer as terríveis sensações do medo da situação heterossexual).
            Nos Estados Unidos, onde a freqüência da homossexualidade masculina atinge cifras altamente expressivas (provavelmente superiores a 10% da população; são apenas estimativas, porque um bom número de homossexuais, em virtude de posições profissionais que ocupam, muitas vezes vivem esta condição de uma maneira absolutamente clandestina), a Associação Psiquiátrica Americana passou a considerar, desde há alguns anos, esta condição como fora da categoria de patologia psiquiátrica. Em verdade, não havia outra solução. Ou se aceita a homossexualidade como sendo uma variação possível da normalidade humana, ou se tem que incriminar as sociedades acidentais, doentes, como as responsáveis por ela, que, pelos números e pelo seu caráter episódico e cíclico, é mais do domínio da ordem social e política do que da psicologia.
            É ao redor deste momento difícil, em que as fronteiras da psicologia esbarram com aspectos básicos da organização social humana, que eu ainda quero fazer mais algumas observações acerca do machismo. É evidente, pelo que foi dito antes, que a homossexualidade é conseqüência extrema do não preenchimento do modelo cultural do macho. Já disse também que praticamente ninguém preenche razoavelmente (segundo os critérios individuais e interiores) este modelo. Que a conseqüência disto é um sentimento de inferioridade universal – este está presente também em todas as mulheres, por razões diferentes – presente em proporções diversas em cada um de nós, também em conseqüência de outras variáveis, que definem as condições de sucesso ou fracasso na nossa cultura. O sentimento de inferioridade tem sobre a estrutura global da personalidade várias influências. Apesar de ter suas origens profundamente vinculadas à sexualidade e às relações desta com a agressividade, se estende para todas as áreas do processo psíquico. Influi decisivamente sobre a razão. O indivíduo passa a não confiar em nada que nasça de dentro de si mesmo. Quanto mais original forem seus conceitos e suas idéias, mais medo tem delas. Como pode acreditar em si mesmo se está tudo contaminado com uma profunda noção de incompetência, de fraqueza, de insuficiência? O jeito é se guiar pelos modelos externos, propostos pela cultura. Fazer como todo o mundo faz. Agir e pensar (até mesmo pensar) como parece que os outros fazem. O estilo de viver deverá ser o de todos. As ambições, as metas, as formas de alcançá-las, tudo.
            Por não se poder acreditar no modo próprio de encarar a vida é que não se pode fazer, na prática, as tentativas de inovar nada. Os sonhos são bobagens que têm que ser deixados de lado o mais breve possível. O período de revolta contra as óbvias aberrações da cultura deverá ter curta duração, e em breve chega a maturidade onde tudo se apazigua. A cultura tem uma atitude complacente e condescendente com os seus adolescentes rebeldes. É tudo efêmero. Existem e são bem conhecidos os mecanismos para atenuar estas rebeliões; elas correspondem, dizem, apenas a insatisfações psicológicas pessoais, especialmente na área afetiva. Logo os rapazes e moças se apaixonam pelos seus companheiros certos, constituem novas famílias, e tudo se normaliza. O trabalho e as necessidades materiais de sobrevivência tornam conta de toda a atenção do jovem casal e eles param de se preocupar com os assuntos sociais e só se interessam pela sua própria vida. E isto quer dizer que se atingiu, finalmente à maturidade.
            O fato curioso é que pelo final da adolescência, isto é, após a solução da problemática sexual básica, com sucesso na capacidade de manter relações sexuais normais apesar de todos os obstáculos e dificuldades (a verdade é que a maioria consegue se sair razoavelmente bem deste massacre), os jovens estão bastante mais confiantes em si mesmos e em geral isto corresponde a um período muito rico de interesses sociais mais amplos, quando a situação permite e cria condições para que isto ocorra. Rapidamente aparecem, para a maioria dos rapazes e moças, os característicos encontros sentimentais, que descrevemos depois, o que parece novamente reforçar todos os sistemas dos sentimentos de inferioridade, acovardando novamente a todos, criando uma tendência quase definitiva para a perfeita acomodação às regras da sociedade, tal como ela é. A rebelião da adolescência seria um pequeno hiato, onde os jovens, encorajados por seus sucessos em lidar com suas complicadas dificuldades na área da sexualidade, tentam expressar suas idéias mais livremente, tentam atuar para compor o que eles consideram ser um mundo mais justo. Mas, evidentemente, esta atitude tem que passar logo, e o enquadramento será feito através dos futuros envolvimentos amorosos.
            E assim vêm se sucedendo gerações intermináveis de pessoas insatisfeitas, acomodadas em suas infelizes condições, mas achando que é assim mesmo que tem que ser tudo. A religião, antes, os consolava. A psicologia, com suas explicações e com seus conceitos de maturidade, neurose, frustrações, traumas, etc., os tranqüiliza e lhes dá a certeza de que está tudo indo como pode e como tem que ser. 



O feminismo segundo a tese de Gikovate na obra Falando de Amor


                O nome foi usado para as recentes tentativas de emancipação e igualdade da mulher em relação ao homem, em sociedades evidentemente governadas pelos homens desde sempre. Para se entender alguns aspectos do comportamento feminino habitual e presente até hoje é muito importante levar em conta que a posição da mulher nas sociedades acidentais era, até há menos de 30 anos, de total inferioridade. Certos procedimentos tipicamente femininos como, por exemplo, as tentativas sutis de dominação dos homens através de táticas de sedução física, ou de uso de sua fragilidade para despertar sentimentos de pena e de culpa, são defesas necessárias para que a situação de dominação e submissão total não ficasse tão insuportável.
            Talvez uma das características biológicas que mais influi no desenvolvimento da espécie humana e suas sofisticadas estruturas sociais, seja a prolongada dependência física das crianças em relação aos adultos significativos, em particular, a mãe. Em todos os outros mamíferos, a cria se desenvolve o suficiente para poder se alimentar por conta própria em poucos meses. Ao período de lactação, se segue o da capacidade de se alimentar por si só. A cria se distancia definitivamente de sua mãe, que nem mesmo mais a reconhece entre os da espécie. A maioria dos mamíferos têm cria que praticamente nasce andando; enxerga perfeitamente em poucos dias. A criança senta-se aos 6 meses, anda com um ano. Torna-se fisicamente independente depois de 10 – 15 anos!
            Quando uma fêmea dos outros mamíferos tem filhos, os seus anteriores já estão totalmente crescidos e perdidos na multidão da espécie. É só cuidar e amamentar os filhos atuais por poucos meses e está livre de novo da cria. Como os filhotes nascem já bem diferenciados do ponto de vista neurológico (correspondente à espécie), os cuidados, além de tudo, são relativamente simples. Pelo menos, quando comparamos com os cuidados necessários para se manter uma criança em boas condições de saúde e higiene.
            Em condições de vida selvagem, uma mulher aos 25 anos de idade já teria tido vários filhos, cujas idades variariam de meses até 10 anos. Todos ainda, de certa forma dependentes dela. Talvez os maiores a pudessem ajudar um pouco. Mas essencialmente ainda precisariam de cuidados. Estaria amamentando um filho (ou mais) ; não é impossível que estivesse grávida de outro. É natural que sua condição física estivesse comprometida nesta condição. Já em condições normais, a fêmea da espécie humana é sensivelmente mais fraca fisicamente do que o macho. Grávida ou amamentando, mais ainda. Não tem condições para cuidar da cria e ainda buscar alimentos para si e para os mais velhos.
            Diferentemente das outras fêmeas dos mamíferos, a mulher precisava de um homem para ajudá-la na tarefa de cuidar e de alimentar a prole. A figura do pai, solidamente vinculada à cria, era uma necessidade essencial para sobrevivência. É evidente, desde logo, que isto tenha custado muito caro às mulheres. Que elas não tinham outro jeito senão se submeter às exigências masculinas. Que elas tenham aprendido compensar essa submissão, para se salvarem, pelo menos parcialmente, desta situação muito difícil e penosa.
            Qualquer tipo de organização social, mesmo as mais primitivas, deveria, portanto, se compor levando em conta a necessidade da existência da figura paterna. O casamento, união conjugal estável de um homem e uma mulher, era um requisito básico para a sobrevivência da espécie. Ou algum outro tipo de organização que impusesse aos homens a obrigação de trazer alimentos para as crianças e às mulheres a de cuidar delas, amamentá-las pelo tempo necessário, etc. É claro que era preciso garantias de paternidade. Era preciso que cada mulher se ligasse sexualmente a apenas um homem. Os homens não aceitariam alimentar filhos que eles não tivessem certeza que fossem seus. Era necessário que se compusesse um certo código onde as regras da união de homens e mulheres garantissem que a cada homem correspondesse uma mulher.
            Ou melhor, que a cada mulher correspondesse um homem.
            Nas organizações sociais mais bem sucedidas, provavelmente se encontraram os arranjos mais satisfatórios para resolver este problema. Outro dado básico que resulta disto tudo, é que a união homem-mulher não se deu inicialmente como conseqüência de um envolvimento amoroso, expressão pura de simpatias recíprocas, tanto no plano físico como intelectual. É claro que se tratavam de uniões por necessidade. Mais necessidade do que tudo. Não era conveniência; era sobrevivência. A união deveria durar a vida toda, pois era o tempo necessário para que todas as crianças (até há pouco tempo, muitas) crescessem e se tornassem independentes. Aí, os pais já estavam velhos; a situação de sustento deveria se inverter. Ou seja, os filhos é que deveriam ter as obrigações de sustento dos seus pais, já sem condições para o trabalho.
            A descrição das relações familiares que eu fiz até agora foram intencionalmente desordenadas no tempo. Estava falando ao mesmo tempo das tribos primitivas, ao mesmo tempo do que ainda ocorre em nosso país com a grande maioria de sua população mais pobre. Era válido para todo o mundo ocidental (praticamente) até há poucas décadas. A situação da relação homem-mulher só começou a se modificar há muito poucos anos, e ainda assim só nos países desenvolvidos ou para pequenas minorias nos outros. A maioria de nós perdeu a noção de que estas coisas sejam tão recentes (e mesmo atuais nas classes sociais mais baixas). Desde sempre, ouvimos falar no casamento como uma decorrência do amor entre um rapaz e uma moça que se escolheram livremente. Porém, isto não foi sempre assim. Os casamentos por interesses de família predominaram durante o século passado, e há alguns povos que procedem assim até hoje. Mesmo nas classes sociais mais esclarecidas do mundo ocidental de hoje existem restrições familiares à livre escolha dos futuros cônjuges. Se aceita o amor como fator determinante da escolha, mas não como único. Um rapaz branco não terá o apoio de sua família se quiser se casar com uma moça preta. Uma moça judia de hoje poderá se casar por amor; porém, o rapaz deve ser também judeu. E assim por diante. Há resíduos claros das formas anteriores de união, baseadas em complexas necessidades de sobrevivência, mescladas com mais intrincados ainda, esquemas de interesses das famílias.
            A situação de total dependência das mulheres, a seus filhos e seus maridos começou a mudar nas últimas décadas, em virtude das mudanças básicas que têm ocorrido nos meios de produção de riqueza e, portanto, das crescentes possibilidades de trabalho feminino. Este depende em boa parte de um crescente número de atividades onde a força física se torna dispensável. No mundo desenvolvido, a maioria das pessoas exerce atividades relacionadas com prestação de serviços em geral sem relação com a atividade muscular. Há portanto, igualdade de condições objetivas para o trabalho das mulheres. Outro dado fundamental que modificou muito a situação das mulheres foi o aprimoramento dos recursos anticoncepcionais. Agora, elas podem ter tantos filhos quantos quiserem, na época da vida que acharem conveniente. Podem mesmo optar por não terem filhos. E isto modifica tudo.
            Se tiverem uma atividade profissional razoavelmente bem remunerada as mulheres podem, hoje, ter filhos sem depender de um homem para o sustento dela e da criança. Neste sentido, pela primeira vez a fêmea humana se assemelha as fêmeas dos outros mamíferos; se tornou – é claro que ainda são poucas as mulheres que têm esta condição – independente do macho para os cuidados e alimentação de sua cria. E isto obviamente muda tudo. As características das relações homem-mulher podem se modificar, mas só agora. E é exatamente neste momento da história humana que aparecem os movimentos de emancipação da mulher. É uma tentativa, pelo menos inicialmente, de esclarecer homens e mulheres que as coisas como vinham se passando entre eles não tinham mais sentido. É claro, também, que o feminismo era um movimento de elites. As generalizações de seus conceitos é de absoluta ingenuidade. Aliás, falar em feminismo num país como o nosso é sempre temeridade. Uma das características também muito habituais no mundo atual é a chegada de certas informações vindas de algum lugar do mundo onde as coisas já sejam diferentes, para outros, de condições objetivas bastante diferentes. Os meios de informação são imediatos. As coisas se propagam muito rapidamente, mas, às vezes, chegam em certos lugares em momentos muito pouco oportunos. O feminismo, ou as tentativas de mudar as características das relações familiares, são do interesse apenas de uma minoria, porém, de uma minoria muito influente. E, apesar de tudo, influi também nas camadas mais baixas, pelo menos nos grandes centros urbanos. E isto ajuda a complicar ainda mais a situação: mulheres que são incapazes de uma atividade profissional independente exigem de seus maridos comporta-mentos compatíveis com a nova situação da mulher, que ela não tem, e assim por diante.
            Acho que vale a pena esclarecer este último aspecto agora. A rigor, a igualdade de condições das mulheres em relação aos homens só tem sentido e se justifica plenamente desde que haja igualdade de responsabilidades. É evidente que nem sempre as coisas têm ocorrido deste modo. Porém, a expectativa da igualdade de direitos é uma preocupação mais rápida e insistente na cabeça das mulheres do que o assumir suas posições e atividades no mundo do trabalho e da competição. Os homens, pressionados pela maciça insistência de suas mulheres e influídos pelas informações que chegam a todo instante através de todos os meios de comunicação, concordam em que elas tenham condições as melhores possíveis. O resultado é que a posição das mulheres de classe média entre nós é, ainda que aparente, melhor que a dos seus maridos. Estes trabalham o tempo todo. Elas são cercadas de enormes comodidades que as permitem evitar quase toda atividade doméstica e mesmo dos cuidados com os poucos filhos do casal. A conseqüência, que poucas mulheres percebem é uma enorme sensação final de inutilidade. E isto não é bom de se sentir. Há um vazio e uma insatisfação crescentes, que serão novamente abordados noutro lugar.
            Um número crescente de mulheres, no mundo inteiro, procuram encontrar uma situação mais apropriada. Procuram atividades profissionais que as tornem realmente em igualdade de condições com os homens. E, aí, elas se vêem obrigadas a participar do mundo competitivo há muitos séculos dominado pelos homens. Competem com os homens em atividades até há pouco tempo privilégio masculino, em uma época em que a oferta de trabalho nem sempre é muito grande. Competem com quem está mais habituado a competir. Enquanto os meninos passam seu período de latência em brigas e disputas contínuas, as meninas brincam de casinha e de outras atividades que imitam as funções femininas tradicionais. O mais comum é que elas não sejam tão bem sucedidas quanto os homens neste mundo, que tiveram que incorporar, sem terem tido a alternativa de modificar, pelo menos parcialmente, as regras do jogo. Al‘,ás, é bom dizer de novo que a grande maioria dos homens também são mal sucedidos no mundo competitivo. Quase todos exercem atividades absolutamente desinteressantes, de caráter mecânico e absolutamente alienadas. É claro, que as mulheres, ao imaginarem sua entrada no mundo do trabalho, não se identificam com este contingente majoritário de homens. Elas pretendem uma atividade altamente diferenciada, com boa remuneração, atuação criativa, e, se possível, capaz de trazer uma boa dose de prestígio. E, em geral, ficam muito frustradas quando percebem que a coisa não é bem assim, pois é raro para todo o mundo, homens e mulheres.
            O meio de trabalho como existe é hostil e frustrador. As mulheres sempre o idealizaram, porque não tinham acesso a ele, e porque através dele vislumbravam sua libertação da condição escrava. E isto é verdade: porém, se compõe uma nova escravidão. A escravidão dos homens. E, infelizmente, homens e mulheres ainda não conseguiram muita coisa na verdadeira emancipação de toda a espécie humana. A mulher estava escravizada ao homem. Este à mulher. E ambos...
            É desnecessário falar muito sobre a negação sistemática que foi feita da condição tradicional da mulher, e em particular dos habituais trabalhos domésticos. Só quero ressaltar mais uma vez que eles não são em nada piores do que a maioria dos trabalhos masculinos. Nas fábricas ou na lavoura, a coisa não é melhor. Também não vou me estender agora sobre o agravamento dos aspectos competitivos da relação amorosa entre homens e mulheres que estas coisas novas trouxeram. O fato é que as mulheres tinham uma expectativa do feminismo. Achavam que, finalmente, teriam uma boa condição de viver e de serem livres. Enganaram-se; ou melhor, frustraram-se. Passaram a padecer de maiores e mais complexas contradições, das quais ainda não há indícios de que estejam conseguindo se livrar. E isto repercute na relação amorosa de um modo ainda mais negativo do que as relações tradicionais. O resultado essencial de tudo isto é que o feminismo trouxe, ao menos por enquanto, piores dias para as mulheres; e evidente-mente também para os homens. Agravaram-se as insatisfações. Perderam a capacidade de serem mulheres e de realizarem com alguma alegria e com algum significado suas tradicionais funções; não conseguiram – salvo raras exceções – se realizar de um modo mais completo no mundo competitivo do trabalho, até há pouco “privilégio” exclusivamente masculino.
            Para se poder entender adequadamente os determinantes básicos da psicologia da mulher, como ela é formada em nossa cultura, temos que levar em conta essencialmente a dependência dela em relação ao homem, determinada por sua capa-cidade – biológica – de cuidar e alimentar seus filhos. É tudo orientado no sentido de se formar personalidades adaptadas a esta condição de dependência. No sentido das concessões à liberdade individual que devem ser feitas para que o homem a aceite. No sentido de se compor o sutil instrumental de dominação indireta do homem, a serviço tanto de aliviar a insegurança e o medo de ser abandonada por ele – tragédia maior – como para atenuar a humilhação da dominação e controle unilateral. Penso que este aspecto é fundamental para o entendimento das mulheres; mas acho também que foi muito pouco explorado. Muita coisa se explica e se esclarece se partirmos deste dado como sendo o primeiro. Vejamos...
            O desenvolvimento da sexualidade da menina é todo dirigido no sentido de se reprimir ao máximo qualquer manifestação nesta área. E isto acontece também com os meninos. Porém, durante a puberdade, as coisas assumem um caráter absolutamente divergente. A menina deve permanecer total-mente recatada : não deve mais ser absolutamente desinteressada, como até há pouco tempo. Mas, a virgindade ainda continua sendo uma coisa muito importante, que deve ser preservada a qualquer custo. Os rapazes, devido às suas inseguranças, continuam preferindo as meninas virgens. Estas dirigem suas energias fundamentais para o encontro de um rapaz com quem possam se casar e com quem estabelecerão uma condição de dependência grande, tanto no plano econômico como no emocional. E este ainda é o sonho maior de quase todas as moças.
            O problema da sexualidade na menina é, evidentemente, mais complexo. Um dado fundamental, também pouco citado, é o de que devem se manter o mais possível recatadas, e ao mesmo tempo assumir uma atitude de maior capacidade possível de sedução e de ser atraente para os homens! E isto é uma brutal contradição. A imagem mostrada deve ser da maior sensualidade possível, e o comportamento do maior recato. Não é difícil compreender que este procedimento muito típico complica terrivelmente a compreensão das mulheres por parte dos homens. Desorientando-os, confundindo-os, irritando-os e fascinando-os. E esta é uma das armas femininas fundamentais. Aparecer muito atraente e não se entregar é, de uma certa forma, ter um controle do homem. É tudo muito triste, porém ao mesmo tempo necessário, levando em conta a enorme desvantagem da condição feminina tradicional. O que infelizmente ocorre é que as coisas estão bastante diferentes hoje em dia, a situação de dominação masculina está até em certos aspectos invertida, e as mulheres, mais do que nunca continuam usando estes tipos de recurso. E isto complica tudo entre homens e mulheres; e não é sem razão que os relacionamentos amorosos estejam tão complicados.
            A premissa básica é sempre a mesma: manter um homem sempre perto, para garantir a sobrevivência. Fazer as concessões necessárias para que isto se perpetue. Essencialmente, manter o recato sexual, a virgindade, até o casamento. E também manter este estranho equilíbrio entre o recato e a manifestação da sensualidade. Deverá, portanto, quando adolescente, ser muito vaidosa, cuidar das formas do seu corpo, usar roupas o mais possível atraentes. Na hora da intimidade, ter apenas um interesse relativo; conseguir manter a intimidade em níveis aceitáveis (o menino deverá tentar o máximo a maior intimidade física possível; é o seu papel), para que possa ser uma pessoa confiável, ou seja, capaz de não deter-minar muitas inseguranças no seu futuro marido, que precisa de todas as garantias de fidelidade (antigamente garantias de paternidade).
            A terrível repressão da sexualidade, que se prolonga também de um modo ainda mais acentuado durante a puberdade, provoca enormes sentimentos de inferioridade e principalmente sentimentos de culpa. Estes, em virtude do fato de que a sexualidade é mais intensa do que o esperado pelo meio. Por exemplo, a masturbação durante a adolescência é sentida como muito mais criminosa pela menina do que pelo menino. As fantasias sexuais existem quase continuamente. Elas vêm misturadas com as fantasias amorosas, que apaziguam parcialmente os sentimentos de culpa. Não existe, como nos meninos, um conjunto de experiências sexuais durante a adolescência que possam atenuar os sentimentos de inferioridade, compostos da mesma forma que eles durante os anos da infância. E sentimentos de inferioridade e culpa geram uma enorme insegurança. E a insegurança determina sempre uma tendência a se seguirem os modelos ma!s convencionais de comportamento propostos por uma determinada cultura. E uma das características do modelo feminino no nosso meio é a fragilidade. A menina deve ser meiga, frágil, indefesa. Ela tem que ser protegida por um homem. E aí temos mais uma destas perigosas armas femininas. Através de sua incapacidade para realizar quase todas as atividades da vida adulta, ela mostra continuamente ao homem o quanto ele é imprescindível em sua vida, como sem ele ela não teria condições de sobrevivência. E o homem acredita nisto, sente-se mais responsável ainda. E gosta muito desta condição que atenua ainda suas inseguranças. E se deixa escravizar pela mulher, parcialmente pelo menos. Esta continua cada vez mais insegura e incapaz; ele cada vez mais comprometido e obrigado. Ela cada vez mais sem responsabilidades profissionais ou de sobrevivência; ele cada vez mais sobrecarregada.
            Outro aspecto muito comum nas mulheres é um desinteresse geral por quase todas as coisas. E isto me parece fortemente relacionado a todo o processo repressivo a que ela tem que se submeter para que possa aceitar com mais serenidade e como necessidade a relação de dominação do homem. Apesar de todos os truques femininos que atenuam a humilhação da condição, a dominação básica final é a do homem, na maioria dos casos. O interesse maior das mulheres é a sobrevivência. Suas preocupações maiores são as materiais. A segurança delas e dos filhos.
            O feminismo trouxe consigo a consciência da dominação masculina, no momento em que a relação dominador-dominado passou, pela primeira vez, a ser questionável. O modelo tradicional da relação familiar pôde ser questionado. Mas isto implica em profundas e radicais mudanças nos processos de educação de rapazes e moças. E estas modificações ainda não se deram, pelo menos para a maioria. A rebelião das mulheres se fez contra os homens. Como se estes fossem seus inimigos. Os homens estavam envolvidos no mesmo tipo de condição de vinculação compulsória e, portanto, igualmente escravizados. Não há inimigos. Criou-se uma situação nova, sem paralelo na história do ser humano: o controle do número de filhos e a escolha da época em que estes vão nascer, aliados a mudanças fundamentais no tipo de trabalho criou a possibilidade das relações homem-mulher se tornarem menos compulsórias, menos escravizastes para ambos. E parece que as pessoas ainda não entenderam as coisas nestes termos.
            As contradições se agravaram em vez de se atenuarem; os antigos artifícios femininos de dominação ainda não foram abandonados e as mulheres já obtiveram uma condição objetiva bastante diferente da de antigamente. A posição dos homens neste conjunto é ruim; as mulheres se aproveitam deste período de transição para continuarem com seus antigos privilégios e obterem os novos, até há pouco apenas masculinos.
            O período que vivemos é de transição. E crítico e difícil. As pessoas estão muito perdidas, pois ainda não sabem se orientar e se compor diante da nova realidade, que é essencialmente a perda do caráter compulsório da relação homem-mulher como sistema básico para a sobrevivência da espécie. A nova geração de mulheres, capaz de rever as posições femininas tradicionais ainda está sendo educada pelas mulheres atuais. Estas, estão em conflito entre suas novas ambições de sucesso no mundo competitivo do trabalho e suas inseguranças derivadas do próprio processo de educação à qual foram submetidas. Estão profundamente infelizes e desajustadas. Já não sentem tanto apenas o encantamento pela condição feminina. Não conseguiram a satisfação que imaginaram quando chegaram ao mundo masculino do trabalho. Algumas já perceberam que a saída não é a renúncia à condição de ser mulher, mas outras ainda não. O que elas podem mostrar às suas filhas'? O caótico estado de suas almas? Os seus sonhos não realizados? Não sei. O que eu sei é que a real evolução e a verdadeira mudança é mais lenta do que se pode perceber à primeira vista.


Materias que achei disponível na net sobre a física e a astronomia na perspectiva de Aristóteles


Introdução
Pretendo neste texto explanar sucintamente sobre a  physis ou “física tema que desde os seus primórdios  sempre retorna no mundo ocidental, esse assunto não se dá  só na origem da filosofia no mundo grego, mas é retomado em vários períodos da filosofia e da ciência, desde os pré-socráticos, no  período clássico, na modernidade e agora na contemporaneidade com a física quântica; a física sempre esteve em evidência. Falaremos aqui do período clássico especificamente em Aristóteles,  concluiremos com a Astronomia de Aristóteles.
Aristóteles divide o “conhecimento” ou as ciências em três ramos: as “ciências teoréticas” (que buscam o saber em si mesmo) consistem na metafísica, na física,  e na matemática; as “ciências práticas” (buscam o saber para, através dele, alcançar a perfeição moral)  incluem a ética e a política; e as “ciências poiéticas” (são as que tendem a produção de determinada coisa). Aristóteles considerava  a “teologia” como filosofia primeira o que veio a ser classificado posteriormente como “metafísica”, termo que Aristóteles nunca usou, talvez essa palavra tenha surgido quando foram organizadas as obras deste filósofo por Andrônico de Rodes no século I a.C. As obras que não se enquadravam nos seguimentos anteriores e que ficaram depois da física teriam sido chamadas metafísica (meta = depois, além; physis = física). Aquilo que está além da físicanos dá “coincidentemente” um amplo sentido.
Mencionei essa divisão das obras de Aristóteles para esclarecer a distinção que a filosofia primeira, a “teologia” vem a ter em todo o corpus aristotélico, sabemos portanto que as outras, muitas vezes estarão em função desta. Nossa ênfase aloca-se na Física e na Astronomia de Aristóteles, quanto a física o estagirita a considerava a filosofia segunda, mas isso não menosprezava essa ciência muito pelo contrário ele a considerava muito importante,  Abbagnano  lembra deste ponto quando fala dos fundamentos do Aristotelismo dizendo da:
Importância atribuída por Aristóteles à natureza e o valor e a dignidade das indagações a ela dirigidas. Enquanto Platão pensava que tais indagações só poderiam atingir um grau de probabilidade muito inferior ao conhecimento científico (Tim., 29 c) Aristóteles considerava que nada há na natureza tão insignificante que não valha a pena ser estudado, visto que, em todos os casos, o verdadeiro objeto da pesquisa é a substânciadas coisas. (2007, p.90)
Quanto a física Abbagnano lembrar que:
(…) pode-se dizer que nasceu com Aristóteles, que a considerava “a filosofia segunda” e, no grupo das ciências teóricas, distingui-a da teologia e da matemática (Met.,XI, 7, 1064 b 1) (2007, p.536)
Portanto a física de Aristóteles é bem diferente da maneira como foi vista pelos seus predecessores tanto quanto pela forma como  será vista posteriormente e mesmo em nossos dias, e não poderia estar tão distante da “metafísica”, conforme lembra Reale.
Para Aristóteles, porém a física é a ciência das formas e das essências; comparada com a física moderna, a de Aristóteles, mais que ciência, revela-se uma ontologia ou metafísica do sensível. (2004, p.207)
Bibliografia e Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
AUBENQUE, Pierre. “Aristóteles”, Dicionário dos Filósofos, dir. Denis Huisman, trad. C. Berliner, São Paulo: Martins Fontes, 2001. (pp.61-72)
CASTRO, Suzana de. Três formulações do objeto da Metafísica de Aristóteles………
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume 1. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
CHERMAN, Alexandre. Sobre os ombros de gigantes: uma história da física.1.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
HADOT, Pierre. O que é a filosofia antiga? 2.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 9.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
______________. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia, v.1.; tradução de Ivo Storniolo; 2.ed. São Paulo: Paulus, 2004.
ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia. 2. ed. São Paulo: Odysseus editora, 2005.

Do Mito à Filosofia, o caso da Astronomia.


Introdução

Pretendemos neste trabalho comentar sobre a passagem do mito à filosofia e a participação que a astronomia tem neste processo, tendo em vista que os primeiros filósofos eram voltados à natureza ou a physis como veremos. Para isto começamos esclarecendo o que vem a ser o chamado mythos. Ilustramos com alguns exemplos de mitos da criação do mundo. Lembramos que alguns permanecem nos dias de hoje. Damos alguns exemplos de corpos celestes que tiveram seus nomes oriundos nos diversos mitos da antiguidade. Distinguimos cosmogonia de cosmologia e mito de filosofia. Mostramos como surge a filosofia, em que condições históricas e quais são os fatores determinantes para a sua origem. E quais são as características deste pensamento filosófico. Comentamos sobre o legado que os chamados pré-socráticos deixam para a cosmologia e a astronomia não só na modernidade como na contemporaneidade.

O mito e a cosmogonia

Mito segundo o Dicionário básico de filosofia de Marcondes e Japiassú (2006) é uma:
Narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo. Ex.: o mito de Ísis e Osíris, o mito de prometeu etc. O surgimento do pensamento filosófico-científico na Grécia antiga (séc. VI a.C.) é visto como uma ruptura com o pensamento mítico, já que a realidade passa a ser explicada a partir da consideração da natureza pela própria, a qual pode ser conhecida racionalmente pelo homem, podendo essa explicação ser objeto de crítica e reformulação; daí a oposição tradicional entre mito e logos. (p.189).

Vamos portanto percorrer neste trabalho, a passagem deste mito à filosofia e vamos o quanto for possível e pertinente mencionar uma configuração do surgimento da ciência e da astronomia científica ou cosmologia que se difere da cosmogonia, como veremos neste processo.
Antes podíamos dizer que o “conhecimento” estava com todo o povo, pois o mito “pairava no ar”, fazia parte do povo e o mito era o “conhecimento”. Ele era passado de geração em geração de forma oral. Desta maneira não se exigia muito, “bastava ouvir”, para captar o mito, o mito era componente deste povo.

Mas o que vem a ser esse mito? O termo grego mythos ‘’significa um tipo bastante especial de discurso, o discurso fictício ou imaginário, sendo por vezes até mesmo sinônimo de “mentira”.’’ Como diz Marcondes (2005, p.20). Portanto este discurso difere-se do discurso do logos como mencionado, assim como veremos mais à frente.
Poetas como Homero, com a Ilíada e a Odisséia (séc. IX a.C.), e Hesíodo (séc. VIII a.C.), com a Teogonia, foram indivíduos como diz Marcondes, “que registraram poeticamente lendas recolhidas das tradições dos diversos povos que sucessivamente ocuparam a Grécia desde o período arcaico (c. 1500 a.C.)”. (p.20).
Talvez, quando o homem começa a utilizar-se do mito para, de certa forma, buscar respostas a diversas perguntas que certamente os questionavam, já estava procurando uma explicação para o que ocorria na natureza, por exemplo. O mito foi assim um inicio de “caça” por algumas respostas (para usarmos um termo pertinente à época). O que de certa maneira gostaríamos de chamar de: o embrião da ciência. Mas evidentemente que não tem nada a ver com a ciência como vamos conhecê-la posteriormente. Pois se difere em vários fatores, um deles é o investigativo, e como as explicações são dadas, ou seja o discurso que os constituem.
Enquanto que no mito o discurso pressupõe a adesão e a aceitação dos indivíduos que não o questionam, e assim ele pode ser dado sem fundamentação, não se presta à crítica nem à correção. Ao contrário, para os pensamentos filosófico-científicos, precisamos de uma lógica, uma coerência, é facultada à observação empírica, pode se criticar e corrigir eventuais desacertos. Mas o fato de não ser questionado, e de não ter uma lógica não impediu que fosse passado de geração em geração milhares de mitos, tal foi e é a força do mito.

Os mitos de criação, por exemplo são inúmeros. Vários povos do passado, tinham os seus particulares, muitos eram conflitantes, outros com algumas afinidades entre si. Conforme exemplifica Vieira (2002):
Para os Sumérios o universo fora criado pela união de Anu (deus do Céu) e Ki (Terra) e dessa união surgiram o Sol, a Lua, os planetas e todas as formas de vida. Encontramos a mesma mitologia na Grécia (união de Urano, deus do Céu, e Gaia, a Terra), no Egito (união de Nut, deusa do Céu, com Keb, Terra). O Centauro, Órion e Hércules imaginados pelos gregos foram importados dos sumérios que os conheciam como Enkiru, Gilgamesh e Marduk, respectivamente. (p.15).

Mas o interessante é que uma grande parte deles, se não a maioria, tinha uma certa conexão cronológica, uma seqüência bem definida, uma causalidade, embora mítica. Mas seria natural que esses povos, sem muitos ferramentais intelectuais disponíveis, buscassem na imaginação o seu apoio. É interessante observar que alguns destes relatos têm até fundamentação cronológica e científica apurada posteriormente. Não vamos aqui, tomar partido nem dar opiniões a este respeito, pois muitas destas questões estão no magistério da fé.

De todos os relatos da criação, a mais conhecida no ocidente é sem dúvida a do Gênesis da Bíblia Judaico-Cristã como comenta Cherman (2000):
O mecanismo criador é o próprio Deus onipotente, que está além do Universo e o contém. “No princípio era o Nada e Deus disse ‘faça-se a luz!’ e fez-se a luz.” Esta idéia tem sua primeira semente no zoroastrismo (talvez a primeira religião a adorar um deus único) e sua figura de Aúra-Mazda, o sábio senhor. (p.20).

Poderíamos citar diretamente da Bíblia de Jerusalém no Gênesis, capítulo 1º, o início deste relato da criação:
1 No princípio, Deus criou o céu e a terra. 2 Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas.
3 Deus disse: “Haja luz” e houve luz. 4 Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. 5 Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. Houve uma tarde e uma manha: primeiro dia. (p.31).

Como vimos, antigas tradições míticas de nossos ancestrais nos foram transmitidas, e muitas ainda fazem parte de nossa cultura. Outras deram nomes a “corpos celestes” como: estrelas, constelações, planetas, nebulosas, galáxias, faixa luminosa no céu, etc. Estas situações, cenas que representavam suas lendas, deuses e heróis, batalhas, entre outras, ajudaram nossos ascendentes a memorizar suas estórias e histórias. Os ajudaram a se locomover sem se perder guiados pelas estrelas e constelações. Os apoiaram na identificação da estação do ano em que se encontravam, e sabiam quando viria a próxima e qual seria. Sabiam quando era a época das enchentes dos rios. Quando era época de plantar e de colher, etc.
Alguns nomes dados a estes “corpos celestes” merecem aqui referência a título de ilustração, como por exemplo a Via-Láctea (não confundir com a nossa galáxia local, também chamada de Via-Láctea). Como diz Vieira (2002) é:
Uma larga faixa luminosa que se vê a olho nu nas noites de céu estrelado. Segundo a mitologia grega, originou-se do leite jorrado dos seios de Juno, quando esta amamentou Hércules. Também para a mitologia grega era através da Via-láctea que se chegava ao Olimpo, ficando à direita e à esquerda as habitações dos deuses mais poderosos. É também por onde os heróis entram nos céus. (p.29).

Outro exemplo interessante, de nomes dados a estes “corpos celestes” seria uma constelação, que de alguma forma faz referência ao nosso trabalho, pois cita o amor pela astronomia. Como estamos falando da passagem do mito à filosofia enfocando o caso da astronomia, não poderíamos deixar de falar de Órion. Segundo Vieira (2002):
Órion – Orion. É uma constelação muito antiga. Na Suméria representava o herói Gilgamesh. Na mitologia grega tomou o nome do filho de Hirieu. Tornou-se célebre por seu amor à Astronomia e pelo seu gosto à caça. Diana, a quem ele ousara desafiar, enviou à Terra um escorpião, cuja picada matou Órion. Escorpião e Órion foram, então, transformados em constelações. (p.28).

Outros mitos fazem alusão ao Sol, à Terra, à Lua e aos diversos planetas conhecidos de então, os chamados “corpos errantes” ou planetas, pois não seguiam os mesmos caminhos das estrelas: eram “errantes”. Podiam ser vistos a “olho nu” - sem a necessidade de telescópios - estes também poderiam ser citados aqui, mas nosso principal objetivo é demonstrar a passagem do mito à filosofia e portanto só mencionamos aqueles anteriores, como dissemos, para ilustrar um pouco a importância, relevância e a conexão com a natureza que esses povos tinham já há muitíssimo tempo.

Cherman (2000) comenta no seu livro - Cosmo-o-quê? Uma introdução a Cosmologia, no capítulo intitulado – Cosmogonia - que há uma diferença substancial entre a Cosmologia e a Cosmogonia e que “qualquer tentativa de explicar o Universo sem a utilização das leis físicas que o regem será, aqui, denominada de teoria cosmogônica.” (p.14).
Assim entendemos que para as diversas perguntas da humanidade sempre se tentaram respostas por diversos caminhos antes dos científicos.
Os gregos, diz Cherman, foram os que mais contribuíram para as teorias cosmogônicas:
Nenhuma cultura contribuiu mais para as teorias cosmogônicas do que a da península do Peloponeso. Os gregos, ainda que afeitos às suas divindades, inauguraram um novo jeito de pensar o Universo. É verdade que ainda cantavam os feitos de Zeus (que seria Júpiter para os romanos), filho de Cronos, o titã que representava o tempo, neto de Uranus, a própria abóbada celeste, mas já ensaiavam um pensamento crítico que lhes permitia examinar a natureza com olhos de cientistas. (p.21).


A filosofia

Tales, da colônia grega de Mileto – por isso chamado Tales de Mileto - é um dos nomes mais importantes para o surgimento do pensamento filosófico-científico, como é dado por “Aristóteles, no livro I da Metafísica”, e nos relembra Marcondes (2005). “Aristóteles afirma ser Tales de Mileto, no Séc. VI a.C., o iniciador do pensamento filosófico-científico”. Marcondes continua:
Podemos considerar que este pensamento nasce basicamente de uma insatisfação com o tipo de explicação do real que encontramos no pensamento mítico. De fato, desse ponto de vista, o pensamento mítico tem uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende fornecer uma explicação da realidade, por outro lado, recorre nessa explicação ao mistério e ao sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode explicar, que não se pode compreender por estar fora do plano da compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na impossibilidade do conhecimento. (p.21).

É assim desta maneira que surge a filosofia, pelo questionamento dos homens que queriam e buscavam a verdade, mas não queriam explicações incoerentes, assim começam um processo de pensamento diferenciado e racional que pudesse contrapor-se, de certa maneira, às tradições, como comenta Chaui (2005)

A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da natureza, os acontecimentos humanos e as ações dos seres humanos podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. (p.25).

Alguns fatores foram importantes para o surgimento da filosofia. Ela nasce em condições históricas que a favorecem, no final do século VII e início do século VI a.C.

São elas como menciona Chaui (2005, p.37.): as viagens marítimas; a invenção do calendário; a invenção da moeda; o surgimento da vida urbana; a invenção da escrita alfabética e a invenção da política.

 As viagens marítimas demonstraram aos gregos que os locais que os mitos diziam habitados por deuses e os mares habitados por monstros, não possuíam monstros nem eram aqueles locais, habitados por deuses. Assim as viagens produzem um desencanto ou a desmistificação do mundo.
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 A invenção do calendário demonstra e faz perceber que a noção do tempo é algo natural (os fatos se repetem) e não uma força divina incompreensível.
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 A invenção da moeda propicia um pensamento abstrato e de generalização, onde se nota os valores de troca de maneira simbólica e não mais como a permuta de mercadorias de outrora.
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 O surgimento da vida urbana e a valorização de uma nova classe de comerciantes ricos que procurava o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente filosófico. Isto em contraponto com a aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados.
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 A invenção da escrita alfabética propiciando da mesma forma que o calendário e a moeda o crescimento da capacidade de abstração e de generalização.
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 A invenção da política que da origem a três aspectos novos para o nascimento da filosofia:
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1. a idéia da lei como vontade de um povo que decide por si mesmo o que é melhor para si.
2. o surgimento de um espaço público para discutir através de um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele mítico.
3. um pensamento que todos podem compreender e discutir. Todos podem comunicar e transmitir.

Praticamente todos os filósofos antes de Sócrates (séc. VI – V a.C.), por isto chamados de – pré-socráticos - tiveram como características do pensamento noções que tentam explicar a realidade da natureza. Como dissemos, aí a filosofia e a ciência tem seu inicio... Vejamos quais foram estas noções, mencionadas por Marcondes (2005, p.24-27), que as transcrevo de maneira reduzida:

a. A physis
Por os primeiros filósofos serem estudiosos ou teóricos da natureza (physis), portanto o objeto de investigação destes filósofos-cientistas era o mundo natural. Eles buscavam explicação através desta mesma realidade e não fora dela, ou seja, investigavam a própria natureza.

b. A causalidade
Procuravam explicar, relacionando um efeito a uma causa que antecedia outra. Tomavam um fenômeno como efeito de uma causa. O nexo deve ser dado entre os fenômenos naturais, e não através de causas sobrenaturais, é isto que distingue o discurso mítico do filosófico-científico. Mas há um problema! A explicação causal pode ir ao infinito em caráter regressivo, desta forma chegaríamos a um momento inexplicável, a um mistério. Assim acabaríamos novamente no mito. Para isso não ocorrer se estabelece uma causa primeira, um ponto de partida para o processo racional a arqué.

c. A Arqué (elemento primordial)
Para se evitar o infinito causal, postula-se o elemento primordial. Tales de Mileto, o primeiro a postular essa noção, diz ser a água (hydor) o elemento primordial. A água como o elemento presente em todas as coisas. Outros sucessores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, adotaram o ar e o apeiron (algo ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza); Heráclito dizia ser o fogo; Demócrito o átomo e assim outros como Empédocles que dizia ser: terra, água, ar e fogo. A química hoje supõe que o hidrogênio, esteja presente em todo o universo. Estes filósofos buscavam um principio básico permeando toda a realidade, um elemento natural, inaugurando a ciência.

d. O cosmo
O termo kosmos, para eles, liga-se às idéias de ordem, harmonia e mesmo beleza (já que a beleza resulta da harmonia das formas; daí o termo “cosmético”). O cosmo é assim o mundo natural, o espaço celeste enquanto realidade ordenada de acordo com princípios racionais. O cosmo entendido assim como ordem se opõe ao caos, que seria a falta de ordem, o estado da matéria antes de sua organização. Esta ordem do cosmo é racional, “razão” significando aí leis que regem e organizam esta realidade. (mais à frente completo esta noção – o cosmo)

e. O logos
O termo logos significa literalmente discurso, mas de forma diferente do discurso do mythos. O logos é uma explicação, em que razões são dadas. Por isto que os discursos dos primeiros filósofos explicando o real por causas naturais é um logos. É portanto um discurso racional, justificativo e estão sujeitos à crítica. Um dos pressupostos básicos é a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real.

f. O caráter crítico
Uma das características mais interessantes destas escolas de pensamento era que elas eram passíveis de questionamento, não eram dogmas nem eram apresentadas como verdades absolutas. Eram portanto suscetíveis às divergências e discordâncias e permitiam formulações e propostas alternativas. Não eram verdades reveladas, de caráter divino ou sobrenatural, por isso estavam abertas às discussões, aos reparos, às criticas. A única exigência era que as novas propostas fossem explicadas racionalmente, justificadas e novamente submetidas às críticas.

 A Cosmologia e a Astronomia

Por isso, tivemos assim, no que tange a Astronomia, um grande passo para o que viria a ser a Cosmologia – diferentemente da cosmogonia – que não é uma ciência; aquela já é uma ciência, pois a estudamos com teorias e observações, estamos procurando causalidades lógicas, ordem e organização, pautamo-nos na matemática. Estamos abertos às críticas, justificadas. Conforme mencionamos, entre as características do pensamento filosófico-científico, estão a Physis, a causalidade, a arqué (elemento primordial), o cosmo, o logos e o caráter crítico. Agora gostaria de citar o que Marcondes (2005) diz sobre o uso deste racionalismo em conexão com este real que é o cosmos:

É a racionalidade deste mundo que o torna compreensível, por sua vez, ao entendimento humano. É porque há na concepção grega o pressuposto de uma correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real – o cosmo – que este real pode ser compreendido, pode-se fazer ciência, isto é, pode-se tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmologia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o funcionamento do universo. (p.26).

Eudoxo, século IV a.C, deixa um legado que será relembrado nos textos de Aristóteles (c. 350 a.C) e Simplício (c. 500 d.C). Ele se preocupava com a Cosmologia do presente, queria explicar o movimento planetário. Para isso criou esferas dentro de esferas que giravam em relação umas às outras, preconizando o que seriam os epiciclos pré-copernicanos. Aristóteles vem e coloca a terra no centro deste sistema – é o geocentrismo – que seria desqualificado, bem mais tarde, cerca de vinte séculos depois, por Copérnico (1473-1543), com a teoria do heliocentrismo (o sol no centro do universo). Embora não tenha sido uma idéia totalmente original de Copérnico que a busca lá nas múltiplas hipóteses cosmogônicas que se fizeram até então, foi na hipótese de Aristarco de Samos que Copérnico se baseia. Copérnico parte desta hipótese, e isto dará um grande ponto de partida para a astronomia moderna.

Aristarco (c.310-230 a.C) , astrônomo grego, se assim podemos chamá-lo, formula a hipótese de que o sol se encontrava no centro do nosso universo. Ele era uma exceção ao pensamento geocêntrico de então. Mas como explicar que a terra estando em movimento, ainda assim as estrelas pareciam fixas no céu quando as observávamos (aqui desta Terra móvel) ? Aristarco postula que a distância entre a terra e as estrelas era muito maior que a distância da terra ao sol, assim o raio da órbita da Terra poderia ser considerado nulo em comparação à enorme distância que nos separa das estrelas. Aristarco fez também boas estimativas das distâncias entre a Terra e o Sol e entre a Terra e a Lua. Conforme comentado por Cherman (2004, p.25).

Antes destes astrônomos porém, já tínhamos outros grandes pensadores, como nos relembra Cherman (2000) , alguns deles já comentamos aqui neste trabalho: “no século VI a.C.: Tales, Anaximandro, Anaxímenes e Pitágoras.” Queremos destacar agora Pitágoras que afirmava, conforme lembra este autor, que: “a criação do Universo se dava através dos números, esboçando a importância que a Matemática viria a ter nas modernas teorias cosmológicas.” (p.23).

Certamente Pitágoras não poderia imaginar o quão longe a astronomia poderia chegar através da utilização da matemática como ferramental. Pitágoras, como sabemos, nos deixou heranças não só pela própria matemática, mas também, como menciona Marcondes (2005) pela “doutrina segundo a qual o número é o elemento básico explicativo da realidade, podendo-se constatar uma proporção em todo o cosmo, o que explicaria a harmonia do real garantindo o seu equilíbrio”. (p.33).
Pitágoras mencionava também a harmonia da música, com relação ao cosmos e uma proporção ideal em todo o universo. Foi daí que Johannes Kepler, na idade moderna busca uma "harmonia do mundo", como relembra Marcelo Gleiser no seu romance de mesmo nome. Kepler suspeitou que os planetas apresentavam órbitas elípticas (e não circulares, como acreditava Copérnico). E para confirmar isto se utilizou da matemática e das observações e anotações das posições planetárias feitas por Tycho Brahe. Vemos assim que a cosmologia, agora de forma observacional, empírica e matemática distancia-se totalmente da antiga cosmogonia, mas é bom lembrar que ainda na idade moderna a astrologia era confundida com a astronomia.

Também, podemos elucidar, como relembra Chaui (2005) que foi “graças aos primeiros filósofos gregos e à idéia que a natureza é uma ordem que segue leis universais e necessárias que”:
No início do século XVII, Galileu Galilei deu novo impulso à física ao estudar o movimento dos graves ou “pesados” (ou a estabelecer as leis da queda dos corpos) e, para isso, a demonstrar as leis naturais do movimento uniforme e do movimento uniformemente variado. ... Isaac Newton, no final daquele mesmo século, a estabelecer as leis matemáticas da física, a demonstrar as três leis do movimento e a chamada “lei da gravitação universal”, que, como o nome indica, é válida para todos os corpos naturais. ... E, no século XX, levou Albert Einstein a estabelecer uma lei válida para toda a matéria e energia do universo, lei que se exprime na fórmula E=mc2. (p.20).

Estes são exemplos de alguns legados deixados pelo pensamento grego filosófico- científico-astronômico, e que sem dúvida vieram a revolucionar o pensamento moderno e contemporâneo.

Considerações finais

Como vimos os pré-socráticos foram de vital importância para a cosmologia e a astronomia. Mas não só para estas - como também para o pensamento filosófico em geral - tanto que estão sendo retomados por alguns autores contemporâneos e portanto não nos deixam dúvidas da “autoridade” que eles tiveram e da relevância na passagem do mito à filosofia e quem sabe, mais especificamente ainda, não seriam na verdade um bom exemplo de qualificação e bom senso entre a super valorização da ciência moderna racionalista e uma adequação ao mito ou uma coerência entre Dionísio e Apollo (?), como nos diz Nietzsche, relembrado por Chaui (2002, p.27) “A filosofia, para Nietzsche, começa e termina com os filósofos pré-socráticos, isto é, com todos os filósofos que fizeram da dualidade entre o dionisíaco e o apolíneo o núcleo da própria natureza e da realidade.” E ele conclui dizendo que depois de Sócrates acaba a filosofia e entra o racionalismo.

Notamos hoje uma super valorização da razão e do racionalismo, que muitas vezes de forma exagerada, é representado por Apolo, e colocado em detrimento da emoção, da embriaguez e de tudo o mais que representaria o deus Dionísio. Mas parece que isto já está, de alguma forma, se revertendo.

Outra coisa que não poderíamos deixar de destacar é que o mito que outrora foi sendo afastado das “entranhas” da população, de uma forma ou de outra, coexiste até hoje consciente ou inconscientemente neste mesmo povo, e que não queremos aqui julgá-lo, mas podemos afirmar, por acreditarmos, que um pouco de mito não faz tão mal assim à sociedade, e que se com ele é ruim, sem ele poderia ser pior.

Imaginemos a vida de bilhões de pessoas neste planetinha tão irrisório deste sistema solar, entre tantos outros bilhões, desta nossa galáxia chamada Via Láctea, entre tantas e tantas outras bilhões de Galáxias inimagináveis deste universo; se este povo se afastasse totalmente de qualquer “mito”, na verdade acredito que seria paradoxal, quem somos nós para julgarmo-nos “sabedores” de todos os conhecimentos ou pior ainda da verdade?